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sexta-feira, 23 de abril de 2010

Mente, Linguagem e Mundo

Lançada a coletânea de textos do IV Colóquio Temático de Filosofia Analítica, realizado em Salvador, em 2009. 

da Slva Filho, Waldomiro (org.)Mente, Linguagem e Mundo, (São Paulo: Alameda Editorial, 2009)

Minha contribuição para essa coletânea é o texto "Expressivismo, Verdade e Conhecimento". Eis o texto de apresentação da editora:

O simples que revela complexo

É impossível à filosofia mais sutil e à razão humana mais vulgar não reconhecerem a relevância do fato de que nossa tendência secular é atribuir a nós mesmos a capacidade de pensar, acreditar, desejar, conhecer. Mente, linguagem e mundo, organizado pelo filósofo Waldomiro Silva Filho, estuda o modo que agimos sob a influência dos pensamentos, crenças, desejos e como, através deles, descrevemos ou avaliamos nossas ações.

Esses termos são objetos de análise que se definem, segundo o jargão filosófico, como estados mentais intencionais que possuem um conteúdo ou um significado. No nosso cotidiano nos referimos a eles usando expressões da forma: “João acredita que a água sacia a sede”, “José deseja que seu time seja campeão”. Os filósofos denominam essas maneiras de atitudes proposicionais, uma vez que expressam uma atitude específica de um sujeito em relação a uma proposição específica. Por isso temos: a crença de que [a água sacia a sede]; o pensamento de que [as coisas não andam bem]; o desejo de que [o time vença] e o medo de que [a crise econômica se agrave].

Dessa forma, Mente, linguagem e mundo abarca fatos simples analisados de maneira complexa, numa atenta observação do cotidiano e dos seres humanos e leva o leitor a expressar e compreender o conteúdo semântico e o significado da crença, do desejo e outras tantas incógnitas das mente humana.


Índice

Introdução: O sentido do anti-individualismo e do autoconhecimento - Waldomiro J. Silva Filho

Parte I. Anti-individualismo, autoconhecimento e ceticismo
1. Anti-individualismo e autoconhecimento: uma exposição elementar - Paulo Faria
2. Ceticismo e autoconhecimento - Plínio J. Smith

Parte II. Compatibilismo e incompatibilismo
3. Reflexões sobre anti-individualismo e autoconhecimento - Carlo J. Moya
4. Conteúdo e autoridade da primeira pessoa - Edgar Marques
5. Quando externismo e autoconhecimento são compatíveis - Cristina Borgoni

Parte III. Do ponto de vista da primeira pessoa e verdade
6. Da autoridade sobre os próprios atos - Ernesto Perini
7. De primeira pessoa, porém não pessoal: pensando de re sobre si mesmo - Hilan Bensusan
8. Expressivismo, verdade e conhecimento - Alexandre N. Machado

Parte IV. Conteúdo, referência e normatividade
9. O conteúdo exíguo segundo uma ótica anti-individualista - Roberto Horácio de Sá Pereira
10. Anti-individualismo, autoconhecimento e responsabilidade - Jônadas Techio
11. O argumento de Kripke sobre a linguagem privada: uma perspectiva davidsoniana - Carlos E. Caorsi

Parte V. Consequências do anti-indivividualismo
12. Exilados da Terra Gêmea: os experimentos mentais e a natureza da intencionalidade - César S. dos Santos
13. Deflacionando o anti-individualismo - Waldomiro J. Silva Filho
14. Do externismo ao contextualismo - André Leclerc

Parte VI. Linguagem e pensamento
15. Conteúdos não-conceituais - João Vergílio Cuter
16. Componentes proposicionais inarticulados - Marco Ruffino

terça-feira, 28 de abril de 2009

Cognitivismo e linguagem privada

Esse Eros é demais: o sujeito me oferece uma objeção e a réplica! Ele comentou minha postagem anterior assim:
Tenho a impressão de que talvez se possa bloquear o argumento pró-cognitivismo pelo argumento do Wtitgenstein contra a linguagem privada. Se lemos a justificação de "Eu estou com dou" como baseada no conhecimento direto que tenho da minha dor, temos de explicar como se dá este conhecimento ou que tipo de relação privilegiada é esta que tenho com a minha dor. Tradicionalmente, o conhecimento direto de X envolve a pressuposição de que o sujeito é capaz de reconhecer, em diferentes encontros com y, y2, y3..., que y, y2 e y3 são instâncias de X, onde X, por exemplo, pode ser a dor. Ora, esta pressuposição é justamente atacada pelo argumento de Wittgenstein contra a linguagem privada. Há de se ver se há outra leitura para o conhecimento direto que não dependa dessa capacidade não-linguística de reconhecer particulares como sendo de um determinado tipo.
Bem, o não-cognitivismo é geralmente atribuído a Wittgenstein porque parece ser a sua maneira lidar com as manifestações dado o seu (assim chamado) argumento da linguagem privada (interpretado de forma tradicional). Eu tinha mencionado isso de passagem na discussão posterior à minha aula inaugural.  Mas acho que tua auto-replica não indica claramente onde está o erro do argumento em favor do cognitivismo. Qual premissa é falsa e por que? Era nisso que eu estava a pensar esses dias. Perece que o problema está em dizer que dirigir a atenção para a dor é um ato epistêmico. Veja: se dirijo a atenção para algo, isso somente é um ato epistêmico se ou a própria atenção produz conhecimento, ou ela é acompanhada por algum processo que produz conhecimento. A primeira alternativa parece ser falsa. A segunda parece implicar que temos uma faculdade que produz conhecimento sobre aquilo ao qual dirigimos a atenção, a saber, nossos estados mentais. Mas que faculdade é essa e como ela funciona? E aqui parece não haver alternativa a não ser explicá-la como uma faculdade que gera conhecimento privado de entidades que, portanto, são epistemicamente privadas. E ai entra tua auto-réplica. De certa forma, a premissa que dizia que dirigir a atenção era um ato epistêmico supunha justamente o que estava em questão: a existência de uma faculdade que gera autoconhecimento.

Fora isso, eu ainda tenho problemas com o fato de não haver critérios específicos para se dizer que alguém acredita estar com dor quando não dirige a sua atenção para sua dor. Mas sobre isso escreverei em postagens futuras.

quarta-feira, 15 de abril de 2009

Expressivismo


(esq. p/ dir.) Eros, Lúcio, Raphael e eu

Ontem dei uma aula inaugural na UFPR. Falei sobre o expressivismo acerca das manifestações, isto é, das frases em primeira pessoa do presente do indicativo que contém um verbo psicológico, tal como "Eu sinto dor". Tentei mostrar que o expressivismo de Wittgenstein concilia o caráter apofântico (o caráter de ter um conteúdo que é ou verdadeiro ou falso) com o caráter não-cognitivo das manifestações. Apresentei também uma crítica à teoria de Dorit Bar-On para explicar o caráter cognitivo das manifestações. Minha crítica consistiu em mostrar que, segundo a teoria de Bar-On, o fator de verdade (truth maker) das manifestações (sentir dor, no caso de "Sinto dor") é a mesma coisa que o seu justificador (sentir dor). Isso implicaria que faria sentido dizer "Eu sei que sinto dor porque eu sinto dor". Entretanto, o meu amigo, professor Eros Carvalho, apresentou uma objeção que, naquele momento, me pareceu fatal ao não cognitivismo. Ele chamou atenção para o fato de algumas vezes desviarmos a atenção de uma dor, justamente para que não soframos muito com ela. Continuamos a sentir a dor, embora nossa atenção esteja dirigida a outra coisa. Se alguém nos pergunta se sentimos dor, parece que o que fazemos para responder é um ato epistêmico, dirigir a atenção para a dor. Esse ato justificaria nossa manifestação "Sinto dor", mas seria diferente do seu fator de verdade. Se se trata mesmo de um ato espistêmico que justifica a manifestação, então parece que as manifestações são cognitivas (ao menos esse tipo). Mas há uma série de perguntas que deveriam ser respondidas antes de se concluir que esse argumento é decisivo. Em postagens futuras vou formular algumas dessas perguntas.

sexta-feira, 16 de maio de 2008

Bar-On: sobre a ordem da investigação acerca das manifestações (avowals)

Geralmente as discussões sobre os problemas filosóficos relativos às peculiaridades das auto-atribuições de estados mentais no tempo presente, as manifestações (avowals), partem da suposição que as manifestações não apenas expressam proposições capazes de serem verdadeiras ou falsas, mas veiculam conhecimento que o seu autor tem de si mesmo. Bar-On argumenta -- corretamente, na minha opinião -- que uma investigação sobre a natureza das manifestações não deve iniciar a partir desse ponto, pois isso fecha a possibilidade para considerações não epistêmicas da natureza das manifestações, tal como o expressivismo simples, que ela não advoga (ver post anterior).
Antes que possamos determinar se manifestações refletem um tipo especial de conhecimento que possuímos, precisamos entender o que os sujeitos fazem quando manifestam, e por que manifestações são tratadas tão diferentemente de outros pronunciamentos. [Speaking My Mind, p. 13]
Ela, então, ordena as principais perguntas da investigação assim (pp. 11-12):

(i) Por que as manifestações são geralmente tratadas como inigualavelmente seguras?
(ii) As manifestações veiculam auto-conhecimento privilegiado?
(iii) O que permite que tenhamos auto-conhecimento privilegiado?

Nem toda resposta a (i) implica uma resposta positiva a (ii). Não desafiar epistemicamente um proferimento, por si só, não implica tratar esse proferimento como a veiculação de conhecimento seguro. Não desafiamos epistemicamente alguém que diz "Ai!", mas não porque "Ai!" veicule um conhecimento seguro.

Aquilo para o qual quero chamar a atenção aqui é que, de acordo com esse modo de ver as coisas, a filosofia da linguagem ocupa ao menos o primeiro estágio da uma investigação filosófica em torno de certos problemas. Antes de resolver os problemas epistemológicos relacionados às manifestações, devemos examinar que tipo de ato de fala consiste em proferir manifestações. Acredito que, mutatis mutandis, uma estratégia similar deveria ser adotada em filosofia da matemática.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Neo-Expressivismo


Estou lendo Speaking My Mind: Expression and Self-Knowledge, de Dorit Bar-On (Oxford: OUP, 2004). Resenhas do livro podem ser encontradas no final da página de Bar-On. Nesse livro, Bar-On procura expor e defender o que ela própria denomina "neo-expressivimo", uma teoria de uma certa classe de auto-atribuições de estados mentais, as manifestações (avowals). As manifestações são frases ou pensamentos em que um sujeito atribui a si mesmo estados mentais no presente do indicativo, tal como "Eu sinto dor", "Eu penso que vai chover", "Eu odeio George W. Bush", etc. O neo-expressivismo procura conciliar elementos do que ela denomina "expressivismo simples", uma teoria não epistêmica (geralmente atribuída a Wittgenstein) e das teorias epistêmicas das manifestações.

Segundo o expressivismo simples, as manifestações não são verdadeiras ou falsas, mas apenas expressam os estados mentais que parecem atribuir ao sujeito, do mesmo modo como "Ai!", por exemplo, apenas expressa dor e não é uma expressão verdadeira ou falsa. É óbvio que, de acordo com o expressivismo simples, manifestações não podem veicular auto-conhecimento, conhecimento da própria mente, pois sequer são verdadeiras ou falsas.

As teorias epistêmicas das manifestações, por outro lado, partem do fato de as manifestações não apenas serem verdadeiras ou falsas, mas veiculam, na maior parte dos casos, auto-conhecimento, entendido aqui como um juízo recognicional que o sujeito faz de si mesmo e que está de algum modo justificado. Cada versão das teorias epistêmicas procura, então, determinar o tipo de faculdade que permite o auto-conhecimento, assim entendido, o que inclui uma consideração da natureza das entidades que são assim conhecidas.

O problema com o expressivismo simples, segundo Bar-On, é que ele não respeita a continuidade semântica entre atribuições de estados mentais de primeira e terceira pessoas. E essa continuidade é fortemente apoiada poraolgo análogo ao famoso "ponto de Geach": podemos usar manifestações como antecedentes ou conseqüentes de condicionais ou como premissas ou conclusões de inferências. Mas apenas o que pode ser verdadeiro ou falso pode ser assim usado.

O problema como as teorias epistêmicas, segundo Bar-On, é que elas não conseguem explicar os principais aspectos epistêmicos das manifestações, a saber: o fato de as manifestações estarem normalmente protegidas de avaliações epistêmicas, o fato de as manifestações serem tomadas geralmente como verdadeiras, a assimetria epistêmica entre primeira e terceira pessoas, etc.

O neo-expressivismo, tal como as teorias epistêmicas, defende que as manifestações são verdadeiras ou falsas e que veiculam auto-conhecimento. Mas, diferentemente das teorias epistêmicas, defende que não há nenhuma faculdade especial envolvida no auto-conhecimento e que as manifestações não são juízos recognicionais que o sujeito faz de si mesmo. Bar-On argumenta que os principais aspectos epistêmicos das manifestações, inclusive o fato de veicularem auto-conhecimento, podem ser todos explicados pelo fato de elas também expressarem os estados mentais que atribuem ao sujeito. E nisso o neo-expressivismo se assemelha ao expressivismo simples.

Esse é o resumo da ópera. Pretendo postar mais coisas sobre esse livro em breve. E dessa vez espero cumprir a promessa.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Autoridade da Primeira Pessoa

Dorit Bar-On, em "Avowals and First Person Privilege" (Philosophy and Phenomenological Reasearch, vol. 62, n. 2, 2001, pp. 311-35), chama atenção para um importante aspecto do nosso modo ordinário de tratar as auto-atribuições de estados mentais: a autoridade da primeira pessoa não é como a autoridade que atribuímos a especialistas em um determinado assunto. A autoridade de um especialista é contingente: é possível ser um usuário competente e sincero da linguagem na qual se atribui as propriedades que são objeto de conhecimento do especialista sem ser um especialista. Um usuário competente de "F" pode não ser confiável para decidir se algo é ou não é F. Mas nosso tratamento ordinário das auto-atribuições de estados mentais tende a eliminar essa possibilidade. Um sujeito cujas auto-atribuições parecessem ser sistematicamente falsas seria, na verdade, alguém que não é competente no uso da linguagem por meio da qual ele realiza essas auto-atribuições (p. 319).