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domingo, 25 de maio de 2008

"O que é verdade para alguém", "as minhas verdades"

É notável os mal-entendidos que podem advir do que é sugerido pela forma gramatical de certas definições formuladas em linguagem ordinária. (Falo isso baseado principalmente na minha experiência como professor.) Ao se perguntar o que é uma crença, por exemplo, é comum ouvir a resposta: "Crença é o que é verdade para alguém". Bem entendida, essa definição não enuncia nada polêmico. Mas a sua forma gramatical sugere coisas polêmicas. Em primeiro lugar, ela sugere que toda crença é verdadeira, pois diz, em parte, que uma crença é o que é verdade. Além disso, o que é pior, essa formulação sugere, por meio da expressão "para alguém", que a verdade é relativa. Se eu tenho a crença que chove e João tem a crença que não chove, então, de acordo com a formulação acima, é verdade, para mim, que chove e é verdade, para João, que não chove. Logo, o que é verdade é relativo a alguém para o qual isso é verdade. Essa interpretação da definição enganadora acima está relacionada ao uso muito difundo das expressões altamente enganadoras "as minhas verdades", "as tuas verdades", "as verdades dele".

Alguém que tenha caído nessa armadilha gramatical deveria pensar um pouco no que está contido no pacote que está comprando: se eu e João acreditamos, ao mesmo tempo, respectivamente, que chove e que não chove e a verdade é relativa, então é ao mesmo tempo verdade que chove e que não chove. Ou seja, o relativismo, tal como descrito acima, implica que contradições podem ser verdadeiras.

Uma maneira de se interpretar a definição problemática acima que não engendra essas teses polêmicas consiste em notar que dizer que algo é verdade para alguém é uma maneira enganadora de dizer que alguém considera algo como verdadeiro. Obviamente que, de modo geral, considerar algo como verdadeiro não implica que seja verdadeiro, pois podemos muito bem estar enganados. O que é relativo, digamos assim, é o considerar algo como verdadeiro, não o ser verdadeiro. E isso é trivial, pois não há crença que não seja a crença de alguém. Mas a verdade não é de ninguém, por assim dizer. O que se quer dizer com "as minhas verdades", "as tuas verdades" e "as verdades dele" é "as minhas crenças", "as tuas crenças" e "as crenças dele", ou seja, "o que eu considero verdadeiro", "o que tu consideras verdadeiro" e "o que ele considera verdadeiro".

Uma maneira de evitar essas sugestões hipnóticas é oferecer uma definição alternativa que não contenha essas sugestões. E uma tal alternativa é: "Crença é o considerar (ou tomar) algo como verdadeiro". Essa definição não sugere uma confusão entre ser verdadeiro e ser considerado verdadeiro.

Obviamente, essas considerações não são uma refutação definitiva do relativismo sobre a verdade. Há argumentos sofisticados em favor do relativismo. Apenas quero mostrar, para quem isso não é evidente, que o argumento acima não é um deles.

6 comentários:

  1. Alexandre,
    Bom o modo como você faz a distinção entre "ser verdadeiro" e "considerar ser verdadeiro". Mas, não haveria casos nos quais não haveria espaço para considerações? Se sim, como é que tal distinção se aplicaria a tais casos? Alguém que, por exemplo,afirmasse "Eu considero ser verdaderio que eu tenho uma mão" não estaria afirmando o mesmo se afirmasse: "Eu sei que tenho uma mão, não estou apenas a supor"? Em outros termos, o que afirma essa sentença não é objeto das considerações de quem a emprega em certo contexto. Tal como parece ser o caso de alguém que afirma chover quando, de fato, chove. Claro que, também nesse caso, do fato de "eu" considerar algo como verdadeiro não decorre que seja verdadeiro.

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  2. Wagner: Não sei se entendi tudo o que disseste. A distinção em questão na minha postagem é entre crença (considerar algo como verdadeiro) e verdade (ser verdadeiro), não entre crença e conhecimento (crença verdadeira justificada). Se digo que sei, digo que não estou apenas a crer, mas que estou justificado em crer. Mas se digo que sei, o que estou fazendo é expressar a crença de que sei. E distinção que aponto vale ai também: de considerar como verdadeiro que sei não se segue que é verdade que sei.

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  3. Alexandre,

    Fiquei curioso quanto aos "argumentos sofisticados" em defesa do relativismo. Esses argumentos são capazes de superar a contradição que você aponta?

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  4. Wagner: Minha supeita é que não evitam a contradição. Mas isso merece um estudo mais aprofundado.

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  5. Muito interessante seu texto. Parabéns pelo curriculo e pelo blog ;)

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