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segunda-feira, 27 de novembro de 2006

(DC14) Bracketing x descrença

Broughton chama de bracketing o que fazem os jurados de um tribunal que, mesmo acreditando no que alguém disse em um julgamento, são obrigados a desconsiderar o que foi dito no momento de julgar porque o que foi dito fere as regras de um julgamento. Segundo Broughton, a duvida cartesiana combina dois aspectos conflitantes. Por um lado ela exige que o meditador pare (voluntariamente) de acreditar no que acreditava. Por outro, por ser uma dúvida fingida ou artificial, ele exige apenas bracketing. Ela então afirma que o primeiro aspecto, mas não o segundo, não é crucial para entender o papel da dúvida na estratégia das Meditações, estratégia essa que deve ser entendida a partir da motivação para o método da dúvida: nos preparar para a revisão das nossas crenças fundamentais. Ela então interpreta a suspensão do juízo como um bracketing, que é compatível com continuar acreditando e é suficiente para os propósitos do método da dúvida. Broughton afirma que a suspensão do juízo, assim interpretada, é um produto da imaginação, que constrói cenários céticos hipotéticos de acordo com os quais nossas crenças atuais são falsas, mas que, ao menos inicialmente, não podemos mostrar por reflexão que não são atuais.

Mas isso obviamente não resolve a contradição entre não acreditar e fazer apenas bracketing. Além disso, não é claro como a analogia com os jurados deve funcionar nos detalhes. Os jurados desconsideram certas crenças que têm para poder julgar outra coisa. A suspensão do juízo, nesse caso, é sempre relativa a um ato de julgar, de formar uma crença. É isso que dá conteúdo à palavra “desconsiderar” nesse contexto. Desconsiderar uma crença é julgar sem considerá-la entre as razões para fazer o juízo. Como então podemos desconsiderar todas as nossas crenças? Nesse caso não haveria nenhum juízo, nenhuma crença que gostaríamos de formar e em função da qual estaríamos desconsiderando nossas crenças. Seria um bracketing absoluto, semelhante à epoché de Husserl. Não tenho certeza que um tal bracketing absoluto faça sentido. Desconsideramos nossas crenças ao fazer o que?

10 comentários:

  1. Tô lendo de trás pra frente, então desculpe se estiver falando de algo explicado em postagem anterior.

    "Bracketing" não é, simplesmente, o "pôr entre parênteses" proposto por Husserl, a epoché?

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  2. Acho que o final da postagem explica...

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  3. Bem legal teu blog. Ficou com um ar do passado.Só a tua foto tá com cara de muito brabo, mas não és tanto.

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  4. Pois é, Flávio, a Aninha também achou o mesmo. Notei que achas que não sou "tão" brabo!:-)

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  5. César, teus comentários são muito bem -vindos, dado que deves conhecer Descartes melhor do que eu.

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  6. Alexandre

    Longa vida para teu blog!
    Está jóia esse começo.
    Abraço,
    Giovani.

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  7. Obrigado, Giovani. É uma alegria ler um comantário tão positivo.

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  8. Bá Alexandre, tô meio enferrujado nos temas do século 17. Um horror!

    Um artigo que me agrada, sobre a dúvida e o projeto das Meditações, é "The Senses and the Fleshless Eye", do Gary Hatfield, na coletânea Essays on Descartes' Meditations. Infelizmente não tenho como resenhar minimamente a mesma no momento.

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  9. César, trouxe essa coletânea de Oxford e logo depois que cheguei ela sumiu. Broughton cita esse texto e um outro do Hatfield: “Reason, Nature, and God in Descartes.” In Essays on the Philosophy and Science of René Descartes, edited by Stephen Voss, 259–87. Oxford: Oxford University Press. Valeu!

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  10. Já que o assunto é Descartes, decidi ler o blog na ordem das razões. :-P

    Coloquei alguns comentários na postagem DC1. O segundo comentário, com a citação de Hatfield, é bem mais útil do que o primeiro.

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