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segunda-feira, 7 de setembro de 2015

Empatia e moralidade

Peter F. Strawson
No excelente Freedom and Resentment, Peter F. Strawson[1] já defendia que na base da moralidade estão atitudes reativas em relação à vontade alheia: ressentimento, quando alguém faz algo errado para mim, indignação, quando alguém faz algo errado para uma terceira pessoa, e culpa, quando eu mesmo faço algo errado. Estas atitudes estão todas baseadas na nossa capacidade de ter empatia, um fenômeno cognitivo-prático que consiste ao menos de duas coisas: nossa capacidade de nos colocarmos imaginativamente no lugar de outra pessoa e nossa reação afetiva ao resultado disso.

O que o experimento do vídeo abaixo, feito com crianças de colo que ainda não sabem falar, mostra é que nossa reação afetiva primitiva é precisamente aquela sobre a qual falava Strawson. A criança assiste a um bonequinho tentando subir uma rampa com alguma dificuldade. Num primeiro momento, um outro bonequinho o empurra para cima, ajudando-o a atingir seu objetivo. Posteriormente, quando tenta novamente subir a rampa, um outro bonequinho o empurra ara baixo, dificultando ainda mais atingir o seu objetivo. Tudo que a criança sabe sobre o bonequinho é que ele quer subir a rampa. Isso é suficiente para que ela tenha empatia por ele, apreço por quem tenta ajudar e desprezo por quem atrapalha. Ela escolhe sempre o bonequinho que ajuda. O nosso sentimento de culpa é introduzido na nossa educação moral desde os primeiros anos por meio do cultivo da nossa empatia em relação a ursinhos de pelúcia, animais de estimação e coisas semelhantes.

Se isso está certo, na base da moralidade não está nem algo puramente afetivo, nem algo puramente intelectual, mas uma combinação de ambos. E talvez isso explique em parte o que Aristóteles disse na sua Ética a Nicômaco:
...a fim de ouvir inteligentemente as preleções sobre o que é nobre e justo, e em geral sobre temas de ciência política, é preciso ter sido educado nos bons hábitos. (1095b) 
Mas o que são os bons hábitos? Se pensarmos que eles envolvem o estímulo e o exercício da empatia tal como foi descrita acima, então o que Aristóteles está dizendo é que as condições para a compreensão e reflexão em filosofia moral e política não são puramente intelectuais. Alguém que, como um psicopata, perdeu a capacidade de ter empatia poderia conhecer "por descrição" tais bons hábitos. Mas essa pessoa jamais se tornaria sábia, pois jamais adquiriria a mesma competência no uso dos conceitos morais que possui aquele que adquiriu tais hábitos, que os conhece "por familiaridade", e essa diferença se reflete diretamente nos resultados da reflexão filosófica.




Leitura

Karsten Stueber, Empathy (Stanford Encyclopedia of Philosohy)

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[1] Tradução para o português publicada em Ensaios Sobre a Filosofia de Strawson. (Agradeço a Silvio Kavetski pela informação.)

sábado, 3 de julho de 2010

Lukasiewicz e o determinismo

Jan Lukasiewicz
Aristóteles rejeitou o determinismo lógico no seu Sobre a Interpretação (um dos livros do seu Órganon). Ele acreditava que o princípio do terceiro excluído (PTE) não implica o determinismo. Jan Lukasiewicz (1878-1956) não concordava com isso, embora pensasse que o determinismo e a liberdade fossem incompatíveis e que somos livres e moralmente responsáveis. Por isso, sua solução para o problema do determinismo vs liberdade  inclui a rejeição do PTE, nas sua formulação tradicional, irrestrita. Para rejeitar o PTE sem contradição, Lukasiewicz rejeitou o princípio de bivalência. Vejamos o que são esses princípios para entender melhor a posição de Lukasiewicz.

O princípio do terceiro excluído diz que, para toda proposição, ou essa proposição ou sua negação é verdadeira. Em símbolos do cálculo proposicional:
(PTE)  P v ~P
O princípio de bivalência diz que, para toda proposição, ou ela é verdadeira, ou ela é falsa:
(PB) P é verdadeira v P é falsa
Uma lógica bivalente, ou seja, um lógica que aceita o PB,  é uma em que uma proposição só pode ter um de dois possíveis valores de verdade, ou o verdadeiro, ou o falso. A lógica clássica é uma lógica bivalente. Numa lógica bivalente, a negação de uma proposição (a negação que ela seja verdadeira) implica que ela é falsa:
(1) ~P -> é falso que P
E a negação de que uma proposição seja falsa implica que ela é verdadeira:
(2) ~(é falso que P) -> P
É por causa disso que podemos apresentar o PTE dizendo que, de acordo com ele, para toda proposição, não é o caso que ela e sua negação sejam ambas falsas (o princípio de não contradição diria que não é o caso que sejam ambas verdadeiras). Mas se (1) é verdadeira, então a negação do PTE implica uma contradição. Se o PTE diz que, para toda proposição, não é o caso que ela e sua negação sejam falsas, então o PTE equivale a (3):
(3) ~(~P & ~(~P))
A negação do PTE, portanto, equivaleria a (4), que é uma contradição:
(4) ~P & ~(~P)
Para evitar essa contradição, Lukasiewicz introduz um terceiro valor de verdade: a possibilidade. Mas antes, vejamos por que ele nega o princípio de bivalência. Isso está relacionado ao modo como ele trata o determinismo causal

Lukasiewicz [1] acredita que é um erro pensar que, necessariamente, todos os eventos futuros têm uma causa presente. Um evento futuro tem uma causa presente quando está em uma cadeia causal de eventos em que ao menos um dos eventos é um evento presente. Isso é garantido pela transitividade da causalidade:
(TC) Se A é causa de B e B é causa de C, então A é causa de C.
Lukasiewicz argumenta que uma cadeia causal pode estar totalmente contida no futuro. Se isso for o caso, então nada no presente determina que uma cadeia possível de eventos ocorrerá no futuro. Mas Lukasiewicz não quer admitir a tese que uma possível cadeia causal futura tenha um início no tempo. Se tivesse, haveria um primeiro evento dessa cadeia e ele não teria causa (caso contrário, não seria o primeiro) e isso contraria o princípio de causalidade, que diz que todo evento tem uma causa.[2] Para dar sentido à idéia de uma possível cadeia causal futura sem início, Lukasiewicz lança mão de um modelo matemático dessa cadeia baseado em uma reta dos números reais. O ponto 0 seria um instante presente, o ponto 1 seria um instante no futuro e todos os eventos da possível cadeia causal futura ocorreriam em instantes depois do instante correspondente ao ponto 1/2. Dado que não há o menor número real maior que 1/2, a possível cadeia de eventos futuros não tem começo, um primeiro evento. Suponhamos que a proposição P diga que um evento de uma possível cadeia futura ocorre num instante depois de 1/2. Nesse caso, dado que nada no presente determina que um evento dessa cadeia ocorra ou não ocorra, P não seria nem verdadeira, nem falsa. É ai que entra o terceiro valor de verdade da lógica trivalente de Lukasiewicz: a possibilidade. P seria possível e descreveria um futuro contingente.

Lukasiewicz não nega que algumas cadeias causais futuras tenham causas presentes. O que ele nega é que todas necessariamente o tenham. As proposições que descrevem eventos de uma cadeia causal que possui causas presentes seriam ou verdadeiras ou falsas.

Lukasiewicz não explica como os atos de uma vontade livre seriam possibilitados por essa explicação da possibilidade de futuros contingentes. Mas a idéia básica é clara: se um ato da vontade faz parte de uma possível cadeia causal futura, então ele não tem causa presente e, por isso, não está determinado no presente.

Com o terceiro valor de verdade, Lukasiewicz pode negar o PTE sem que isso implique contradição. Isso é possível porque na lógica trivalente a negação de uma proposição não eqüivale a dizer que essa proposição é falsa. Se uma proposição não for verdadeira, ela pode ou ser falsa ou possível. É possível que tanto P quanto ~P tenham o valor de verdade possibilidade. Por isso, se "#" for o valor de verdade possibilidade, a proposição
(Irei ao cinema amanhã) v ~(Irei ao cinema amanhã)
pode não ser verdadeira porque a seguinte proposição é verdadeira:
#(Irei ao cinema amanhã) & #~(Irei ao cinema amanhã)
A lógica trivalente de Lukasiewicz foi o primeiro sistema formal de lógica não-clássica. E como podemos ver, seu surgimento teve uma motivação eminentemente filosófica: ele fazia parte de uma solução para um problema filosófico.

Essa solução de Lukasiewicz para o problema do determinismo vs liberdade implica a rejeição da tese da eternidade da verdade:
(EV) Para toda proposição P, se P é verdadeira, então P é verdadeira em qualquer tempo.
Se uma proposição sobre um futuro contingente não é nem verdadeira nem falsa antes do tempo em que ela diz que um certo evento acontecerá ou não acontecerá, então não é o caso que ela é verdadeira em qualquer tempo, no caso de se tornar verdadeira.

Um aparente problema para essa solução é que ela implica uma espécie de ceticismo sobre os futuros contingentes. Se conhecimento é crença verdadeira justificada e a proposição P sobre um futuro contingente não é verdadeira (nem falsa), então não é possível conhecer um evento de um futuro contingente.

Leituras

Becchi, A. Logic and determinism in Jan Lukasiewicz’s philosophy
Garbacz, P. Philosophical Motivations of Jan Łukasiewicz’s Three-Valued Logic
Truth Values (Stanford Encyclopedia of Philosophy)
Many-Valued Logic (Stanford Encyclopedia of Philosophy)

_______

[1] Ver "On Determinism", in Ludwik Borkowski (ed.) (1970) Selected Works of Jan Lukasiewicz. North-Holland Pub. Co.

[2] Outra opção seria admitir que o primeiro evento é causa de sim mesmo (causa sui). Mas prima facie isso não parece ser inteligível.

segunda-feira, 5 de maio de 2008

Work in progress

Disponibilizei no meu site (secção Comunicações) alguns textos que apresentei em eventos diversos. Um deles é bem antigo. Outros acho que podem ser melhorados para a publicação. Outros são esboços. Comentários e críticas são muito bem-vindos.

2007 - Negação e Proposições da Lógica no Tractatus de Wittgenstein. XI Colóquio Conesul de Filosofia das Ciências Formais, Universidade Federal de Santa Maria, RS.

2007 - Sobre a Idéia Mesma de Pensamento De Re: Reflexões a Partir de Burge, III Colóquio Temático de Filosofia Analítica: Dinâmica Cognitiva e Pensamento De Re, Universidade Federal do Rio Grande do Sul, RS.

2007 - Wittgenstein era um Antinaturalista em Ciências Sociais?, I Semana das Ciências Sociais, Universidade Federal da Bahia, BA.

2006 - As Investigações Filosóficas, de Wittgenstein, II Colóquio Prazer do Texto. Universidade Federal da Bahia, BA.

1996 - O Conceito de Phronesis na Ethica Nicomachea de Aristóteles, Filosofia às Sextas, Universidade Federal de Santa Maria, RS.

sexta-feira, 31 de agosto de 2007

A prudência na Ética Nicomaquéia de Aristóteles


Foi publicado o livro A prudência na Ética Nicomaquéia de Aristóteles, de Priscilla Tesch Spinelli (2007, Editora Unisinos). Trata-se da dissertação de Mestrado de Priscilla, que foi premiada pela Associação Nacional de Pós-Graduação em Filosofia (ANPOF) como a melhor dissertação de Mestrado do Brasil defendida em 2005. A obra encontra-se disponível no catálogo online da editora.

Detalhes retirados do site da editora

Páginas: 189
Formato: 15,5 x 24 cm
ISBN: 9788574312958
Preço: R$ 24,00

Resumo da obra: Este livro apresenta a prudência conforme ela figura na Ética Nicomaquéia de Aristóteles. Visa a examinar o papel que a prudência desempenha, segundo Aristóteles, na EN, observando suas funções tendo em vista a boa vida ou felicidade. A autora tenta extrair as conseqüências da relação intrínseca existente entre prudência e virtude moral – a tese da unidade de uma conexão forte entre virtudes morais naquele que é prudente.

Sumário: Introdução. Eudaimonia e bem supremo na EN. Função própria e virtude moral. A prudência na EN VI – Deliberação e escolha. A prudência na EN VI – Uma análise de VI 9: A boa deliberação. A prudência na EN VI – Conhecimento prático. Conclusão.

Sobre a autora: Priscilla Tesch Spinelli é bacharela, licenciada, mestre e doutoranda em Filosofia pela UFRGS.