Há pelo menos dois sentidos de "liberdade". Em um deles, "liberdade" refere-se ao montante de ações permitidas ou não-proibidas pelas leis de um pais. Podemos chamar a liberdade, nesse sentido, de liberdade civil. Podemos falar de graus de liberdade civil, pois podemos comparar dois países e constatar que num deles há mais liberdade ou menos liberdade que em outro. Um pais A tem mais liberdade que um pais B se todas as ações permitidas ou não proibidas pelas leis de B e mais outras são permitidas ou não proibidas pelas leis de A.
O outro sentido de "liberdade" é mais difícil de se determinar. Ele refere-se à liberdade que parece ser pressuposta em toda atribuição de responsabilidade moral e, portanto, em nossos juízos morais. A atribuição de responsabilidade moral consiste em considerar um agente como apto para receber punições (que podem ir das mais brandas às mais severas) por agir de modo moralmente incorreto ou recompensas (que podem ir das mais discretas às mais generosas) por agir de modo moralmente correto.[1] Parece que a responsabilidade moral pressupõe que uma pessoa moralmente responsável é uma pessoa livre, em algum sentido diferente do sentido de liberdade civil. Em outras palavras, a liberdade parece ser uma condição necessária para responsabilidade moral. Parece que nada que não é livre é moralmente responsável. Mas por que?
Suponhamos que a possibilidade de eu não realizar a ação A em t estivesse excluída e que, portanto, eu não pudesse evitar realizar A em t. Mas se eu não pudesse evitar realizar A em t, que sentido faria alguém me punir ou me recompensar por ter realizado A em t? Parece que isso seria análogo a recompensar ou punir uma máquina por ter realizado uma operação previamente determinada pelo seu projeto e pelas leis da natureza, ou punir uma árvore por ter caído em cima de uma pessoa devido à força do vento. Parece que para que alguém seja responsável pelas suas ações, tanto a possibilidade de realizar quanto a possibilidade de não realizar essas ações devem estar em aberto no momento em que o agente decide se as realizará ou não realizará. A liberdade, assim entendida, é a capacidade tanto de realizar uma ação quanto de não realizá-la em uma dada circunstância. Se somos livres e, por exemplo, em uma bifurcação de uma estrada, tomamos o caminho da direita, poderíamos, nessa mesmíssima circunstância, ter tomado o caminho da esquerda. Não importa como o passado tenha sido, se realizamos uma ação livre em uma certa circunstância, poderíamos livremente não tê-la realizado nessa mesma circunstância, bastaria querer não realizá-la, bastaria um ato da vontade.
Mas parece que uma ação é livre justamente porque esse querer, esse ato da vontade, é livre. Isso significa que, em uma circunstância em que tivemos vontade de realizar uma certa ação, poderíamos ter tido a vontade de não realizá-la. Parece que, se não fosse possível não ter uma certa vontade, então essa vontade não seria livre e, consequentemente, as ações que ela gera tampouco seriam livres. A liberdade parece ser isso: uma espontaneidade pura da vontade, uma indiferença em relação às circunstâncias. Algumas vezes procuramos explicar uma ação errada, apontando para fatores atenuantes, isto é, fatores que influenciaram o agente para que ele realizasse a ação errada e, por isso, demandam uma punição mais branda. Mas, pensamos, a menos que os atenuantes excluam a possibilidade do agente não ter realizado a ação, ele fez porque quis... fez porque exerceu sua liberdade para fazê-lo, a despeito dos atenuantes, e, por isso, merece alguma punição, por mais branda que seja.
Liberdade nesse sentido eu chamo de liberdade metafísica, pois ela foi tradicionalmente pensada como uma propriedade essencial do ser humano. Entendida dessa forma, a existência da liberdade parece estar em franca contradição com o determinismo, isto é, com a tese que todos os eventos (inclusive nossas ações) estão previamente determinados. Se o determinismo for verdadeiro, então ou está determinado que uma pessoa realizará uma certa ação em uma certa circunstância, ou está determinado que essa pessoas não realizará essa ação nessa circunstância. Uma dessas possibilidades já está excluída pela determinação da outra. Logo, o determinismo parece estar em franca contradição com a existência de responsabilidade moral.
Algumas vezes se costuma dizer que se o determinismo é verdadeiro, então não realizamos escolhas. Isso não parece ser o caso. Se temos duas opções de sobremesa, por exemplo, frutas e bolos, e comemos um pedaço de bolo, então o que fizemos foi escolher o bolo. Se nossa ação de comer o bolo estava determinada, então nossa escolha estava determinada e, portanto, não era livre (se a liberdade tem a natureza descrita acima). Uma coisa é dizer que não há escolhas. Outra coisa é dizer que não há escolhas livres. Se o determinismo é verdadeiro, o que parece não haver são escolhas livres.
Parece que temos bons motivos para acreditar na verdade das nossas atribuições de responsabilidade moral e, portanto, na tese que os agentes moralmente responsáveis são metafisicamente livres. Acreditar que não há liberdade metafísica e que, portanto, ninguém é moralmente responsável, implica abandonar nossas práticas de punir e recompensar as ações das pessoas. Mas esse parece um preço muito alto a ser pago pela crença no determinismo: uma completa desorganização das nossas práticas. Por outro lado, parece que há boas razões para se acreditar no determinismo, as quais apresentarei em outra postagem.
Depois da postagem sobre o determinismo, apresentarei brevemente o argumento de Henry Frankfurt para refutar uma tese pressuposta na explicação da natureza da liberdade e da responsabilidade moral dada acima: se uma pessoa é moralmente responsável por uma certa ação, então ela poderia não ter realizado essa ação nas circunstâncias em que a realizou. Numa postagem posterior, apresentarei, também de forma breve, a crítica de Peter. F. Strawson ao modo de se entender a natureza da responsabilidade moral descrito acima. Segundo Strawson, esta descrição super-intelectualiza nossas práticas morais.
_____
[1] Não se deve confundir responsabilidade moral com o que queremos dizer quando dizemos de alguém que é uma pessoa responsável, como um elogio moral. Uma pessoa responsável é uma que cumpre com suas obrigações. Mas se uma pessoa não cumprir com suas obrigações morais, nem por isso ela deixa de ser moralmente responsável, no sentido explicado acima. Justamente por ser moralmente responsável é que vamos puní-la por não ter feito o que devia, por não ter sido uma pessoa responsável.
_____
Imagem: Dependendo das opções que tivermos, parece que pouco importa que a escolha não seja livre.
Ola alaxandre. Gostei dos posts sobre determinacao causal e liberdade de escolha. Permita-me uma questionamento. Qdo vc diz que falar sobre escolha e uma coisa e outra sobre escolhas livres, eu me pergunto se as escolhas nao sao possibilidades alternativas que dispomos e se nesse sentido, a distincao nao desapareceria? SE vc tem outras possibilidades, ou a possibilidade de escolher entre outras alternativas, estas supostamente so podem "existir" se a determinacao causal nao intereferir na liberdade e isso implica dizer que vc pode ou nao escolher outra possibilidade que nao aquela escolhida. Assim a escolha permanece sendo algo que pressupoe a liberdade.
ResponderExcluirabrcs
Cris: Obrigado por sua pergunta. Tudo depende de como definimos "escolha". Se chego numa mesa de sobremesas e há duas opções, então significa que há duas opções de escolha, não? Se uma pessoa chega à frente da mesa e pega uma das sobremesas, ela a escolheu, não? Podemos pensar inclusive que ela tenha deliberado antes: "Se eu como bolo, vou engordar; não quero engordar; logo, não vou comer o bolo". Se houve se apenas bolo e tivéssemos comido um pedaço, poderíamos responder a alguém que perguntasse "Por que vc escolheu comer bolo?" (onde a ênfase mostra que a pergunta é sobre razão da escolha entre as opções de sobremesa): "Bem, não havia escolha, pois só tinha essa opção na mesa." A pessoa poderia então dizer: "É, não havia escolha de sobremesa. Mas havia a opção de não comer." Tudo isso leva a crer que a definição de "escolha" não inclui a possibilidade de a escolha ter sido diferente, mas apenas que haja opções de ação. Ser uma opção de ação envolve apenas não ser logicamente impossível de ser realizada. Mas isso é compatível com estar determinada a ser realizada ou a não ser realizada no mundo atual. No mundo atual pode ser verdade que vou ao cinema amanhã. Mas em outro mudo possível isso pode ser falso. Mas (aparentemente) se é verdade no mundo atual, então está determinado que eu vou ao cinema amanhã. Ser verdadeiro não implica que o contrário é uma impossibilidade lógica, mas apenas que é falso.
ResponderExcluirSe a gente disser que num mundo determinado não há escolha, incluindo na definição de "escolha" a contingência do futuro, isso tende a gerar confusão, pois fica parecendo que, em um mundo determinado, somos sempre forçados a fazer o que fazemos. Mas em um mundo determinado, fazemos muitas coisas de acordo com nossa vontade e nossa deliberação. Se o fazemos por determinação, não é porque o contrário é uma impossibilidade lógica nem necessariamente porque fomos forçados a fazê-lo.
Obrigada pela resposta Alexandre! Entendo bem o que vc diz. Mas eu me pergunto se não é isso mesmo o que o determinismo propõe. Como é sabido, deterministas de modo geral sugerem que, uma vez que não temos possibilidades alternativas agimos acreditando estarmos escolhendo, quando não estamos. Daí que concluem que se o determinismo for verdadeiro, as nossas escolhas, (inclua-se aí a contingência do futuro), seriam mera ilusão, ocasionada pela nossa impossibilidade cognitiva ou limite epistêmico em conhecer todas as causas que antecedem as nossas ações, sejam elas mentais ou físicas. Nesse sentido, contudo, mais uma vez as escolhas, enquanto ações mentais parecem suscitar alguma relação com a noção de liberdade (pelo menos penso que isso pode ser correto, mas não sei ao certo). Como o determinismo diz que para cada instante há exatamente um futuro fisicamente possível e sendo as nossas escolhas e decisões ações da mente e, portanto, eventos que acontecem em um determinado tempo t, elas estariam sujeitas as mesmas leis determinísticas pressupostas pela tese: de que as leis da natureza são totalmente determinadas e que cada (todo) evento acaba sendo abarcado por estas leis. Pela ótica determinista, as leis vigentes da natureza são de tal modo, que isto impede a existência de dois mundos possíveis que são exatamente iguais em qualquer momento. Se a liberdade humana e o determinismo forem compatíveis, então não há nenhuma contradição lógica em supor que ambos são verdadeiros ao mesmo tempo. Mas se forem incompatíveis, então, apenas um deles pode ser verdadeiro. Ao final, pelo o que vc diz, o seu posicionamento parece ser o de um libertarista. Estou certa?
ResponderExcluirOlha, adorei os tópicos sobre o tema e fico bastante grata pelo retorno e pela possibilidade de participar.
Abrç.
Cris: Obrigado pela sua resposta. Veja, disseste o seguinte: "e sendo as nossas escolhas e decisões ações da mente e, portanto, eventos que acontecem em um determinado tempo t, elas estariam sujeitas as mesmas leis determinísticas pressupostas pela tese". (Note que tu mesma chamas de escolhas.) Disso podemos concluir apenas que as escolhas são determinadas, não que não há escolhas. Eu acho que essa questão corre o risco de se tornar uma questão verbal. Creio que um mínimo que se pode admitir é o seguinte: o determinista pode afirmar que sua tese implica que não há escolhas, mas ele não precisa fazer isso. Não concordas?
ResponderExcluirOi Alexandre. Obrigada pela atenção.
ResponderExcluirRespondo: Concordo em parte, porque penso que o entendimento é correto. Uma vez que escolhas são determinadas e não são livres, a ideia de que não existem escolhas torna-se dispensável. É possível que sim. Mas eu sigo perguntando, ainda que com isso me arrisque a cair no mesmo lugar: se as escolhas são determinadas e, portanto, não são livres, por que seriam escolhas? Talvez nesse sentido fosse razoável afirmar que não seriam nem mesmo o resultado de alguma deliberação, mas sim eventos resultantes de uma cadeia causal anterior que faz com que estes sejam exatamente do modo como foram e não de outra forma (acho que um determinista diria isso). Se tivermos várias possibilidades alternativas diante de nós (como no ex. do bolo, q não penso ser - por uma visão determinista, digamos - uma escolha real), e, falando grosso modo e desculpando-me pelo rigor da hipótese a seguir, “não nos resta nada alem da determinação causal”, há de fato escolha? Particularmente, penso que o determinismo – em especial o hard – em muitos aspectos, é sim difícil de engolir. Por outro lado, não vejo muita luz em posições libertaristas que tratam do problema do livre arbítrio. Mas sei pouco. De qualquer maneira, acho que a duvida suscitada acaba refletindo outro ponto importante, não sei se vc concorda: que a dificuldade do tema não está apenas na sua natureza complexa, mas também no considerável numero de subproblemas que ele possui. Bacana a breve discussão. Obrigada pela oportunidade mais uma vez. O seu blog é excelente.
Abrcs.
Cris: Vc diz: "se as escolhas são determinadas e, portanto, não são livres, por que seriam escolhas?" Pelas razões que apresentei na minha primeira e segunda respostas a ti. Vc continua: "Talvez nesse sentido fosse razoável afirmar que não seriam nem mesmo o resultado de alguma deliberação, mas sim eventos resultantes de uma cadeia causal anterior que faz com que estes sejam exatamente do modo como foram e não de outra forma (acho que um determinista diria isso)." Se o sujeito faz um raciocínio, conclui que deve fazer algo e o faz, então ele deliberou, pois deliberar não é nada mais do que isso... Vc diz: "não sei se vc concorda: que a dificuldade do tema não está apenas na sua natureza complexa, mas também no considerável numero de subproblemas que ele possui." Mas ter subproblemas é parte da sua complexidade, não?
ResponderExcluir"Bacana a breve discussão. Obrigada pela oportunidade mais uma vez. O seu blog é excelente."
De nada! É um prazer responder aos teus comentários críticos. E obrigado! Fico contente que gostes do blog. Volte sempre.
Depois de 10 dias sem internet retorno apenas para encerrar concordando: de fato me expressei equivocadamente.Melhor se tivesse dito que a dificuldade do problema da livre decisão se origina do envolvimento de uma variedade de conceitos filosóficos, tão importantes quanto problemáticos, tais como os de liberdade, razão, causalidade, vontade, decisão, responsabilidade e ação – o que, no final, acabaria refletindo a sua correção sobre o que disse eu(“ter subproblemas é parte da sua complexidade”). abrcs
ResponderExcluirOlá Alexandre, estou no 3º ano do segundo grau, infelismente estou de repuperação na materia de filosofia, e tenho q fazer um trabalho gigante.
ResponderExcluirEntre outras perguntas, teve uma em que estou com deficuldade de interpretar a sua postagem e conseguir responder a pergunta que é a seguinte. " Por que a Liberdade é um problema filosófico ? "
Obrigada pela atenção.
Katrinha: Desculpe, mas vi seu comentário somente agora. Vc deveria ler minha postagem sobre o que é filosofia e depois ler novamente essa postagem sobre a libertdade.
ResponderExcluirSou leigo em filosofia mas gosto de ler a respeito e acabei descobrindo o blog.
ResponderExcluirPelo que está escrito acima o bom motivo para acreditar na "liberdade metafísica" seria o preço pela sua descrença: o abandono da prática de punir e completa "desorganização das nossas práticas"..
Mas isto não prova que há "liberdade metafísica", prova que a descrença nisto tem efeito.
Na visão determinista isto poderia comprovar que a crença na liberdade é uma das causas para os efeitos observados. Se todos fossem máquinas e houvesse a regra de puni-las para determinadas ações, o risco de ser punido entraria na equação das decisões causando toda uma teia de consequencias diversa. Mas em ambos os casos continuam sendo máquinas com ações calculadas e efeitos deterministicos.
Att
Nildson de Avila
Nildson: Se leres com cuidado vais notar que eu disse que há bons motivos para se acreditar na existência da liberdade metafísica. Motivos não provam nada mesmo. Mas não deixam de ser motivos. Além disso, de o determinismo fosse verdadeiro e incompatível com a liberdade metafísica e a responsabilidade moral implicasse a liberdade metafísica, então ninguém seria moralmente responsável. Ou seja, colocar a possibilidade da punição no cálculo das decisões não resolve o problema, pois essas punições não seriam moralmente justificadas, se ninguém fosse moralmente responsável. Não concordas?
ResponderExcluirConcordo, professor.
ResponderExcluirMas talvez a punição não seja mesmo moralmente justificada, mas sim, socialmente justificada.
Se partirmos para outra linha, a da justificativa da punição na filosofia do Direito: Beccaria - Dos Delitos e das Penas - a punição serve como exemplo, para que outros agentes não façam aquela atitude. Para Beccaria, a certeza da punição, mesmo com penas brandas, é mais eficaz do que penas severas mas com impunidade. O efeito da pena é de aumentar o risco de um ato.
Esta consideração não tem sentido na moral, mas para o contexto social faz sentido.
Talvez trazer o dilema da justificação da punição e da culpa para a metafisica ou para a moral abstrata seja um falso dilema pelo objeto se justificar apenas do ponto de vista pragmático.
A punição só faz sentido em ambiente social, não há punição, e não faz sentido culpa, para um Robson Crusoé que está sozinho numa ilha.
Por outro lado, será mesmo que a liberdade justifica a culpa e a punição ?? Ou será que não é uma idéia apenas interessante do ponto de vista social, para que o indivíduo não tente ser nocivo longe dos olhos da polícia ??
Vamos supor que Robson Crusoé é livre, está sozinho na ilha, decide gastar seu tempo em atos solitários considerados imorais se em sociedade, faz sentido ser punido por si mesmo ou sentir culpa para si mesmo ??
Se ele trouxer na sua mente, para ilha, seu adestramento social, seu controle interiorizado, sim, sentirá culpa, mas se no naufrágio sofrer amnésia e esquecer as etiquetas e regras morais, sendo livre, não tem sentido qualquer regra moral, não haverá parâmetro fora si mesmo para considerar algo moral ou imoral. O único juiz será ele mesmo.
Talvez a própria moral não tenha sentido lógico fora do contexto social de controle sobre as máquinas individuais.
Outra obra interessante sobre o assunto alem de Beccaria: Adam Smith. Ele escreveu sobre a origem da moral como uma espécie de tentativa do indivíduo estimar como os outros vêem a ele mesmo. O julgamento moral seria uma "representação diplomática" da sociedade dentro de mim mesmo e serviria para determinar comportamentos socialmente aceitos.
Att
Nildson de Avila
"…faz sentido ser punido por si mesmo ou sentir culpa para si mesmo?" Creio que faz. Leia minha postagem http://problemasfilosoficos.blogspot.com/2010/02/sentimento-de-culpa-e-moralidade.html O fato de estar só não o impede de ter a idéia de obrigações para consigo mesmo. Seja como for, o problema não necessita da tese que ser livre é condição *suficiente* para a responsabilidade moral, mas sim que ser livre é uma condição *necessária*. Se não somos livres, então não somos moralmente responsáveis e, portanto não deveríamos ser punidos, pois não importa que haja punição, se está determinado que vamos fazer algo que não deveríamos, vamos fazê-lo do mesmo jeito. Parece que, se não há liberdade, todo discurso sobre deveres perde o sentido. Se não podemos fazer algo porque está determinado que não faremos, que sentido faz dizer que devemos fazê-lo? Ademais, introduzir ou não a punição também será algo determinado, e a própria discussão sobre se devemos ou não introduzi-la, e, portanto, sobre se sua introdução está ou não justificada, perde o sentido. Se não somos livres parece que não podemos justificar nossas ações nem mesmo do ponto de vista instrumental, não-moral. Nem mesmo obrigações racionais não-morais existem. A pergunta "Devemos escolher esse meio para aquele fim?" perde (ou ao menos parece perder) o sentido. Não concordas?
ResponderExcluirAcho que está correto o raciocínio, lembrando que no determinismo as coisas são determinadas em função das condições iniciais. Dentro destas condições iniciais temos os deveres dos agentes, as punições e recompensas.
ResponderExcluirVamos supor que eu tenha o dever de chegar na hora amanhã, caso contrário a punição será advertencia. Chego de fato atrasado e recebo a punição. Pelo determinismo, se qualquer uma das condições iniciais (incluindo a crença na punição, dever de chegar cedo, as leis, levar a sério as leis, etc..) fosse diferente, o futuro seria diferente. Inclusive a própria possibilidade de não receber a punição (o chefe não viu e eu nao sentir culpa) estaria calculado. A liberdade pode ser uma mera ilusão.
Não faz sentido ? Problemas..
1) O mundo não precisa fazer sentido, a necessidade do sentido é criação da mente humana.
Tem um filme, cujo nome esqueci, tomara que lembre, onde um personagem pergunta como vamos saber se não estamos num sonho ? O outro respondeu: simples, o sonho faz sentido.. Boa: como o sonho é uma criação da própria mente e reflete desejos, ele tem um sentido.. A realidade é livre desta obrigação, pelo menos :)
2) Outro problema é que mesmo que um modelo seja logicamente impecável, não se prova que é verdadeiro. Vide o solipsismo, é muito difícil provar que está errado tanto quanto o determinismo.
Estes modelos tem uma grande capacidade de se fechar em si mesmos dentro da mente.
"Inclusive a própria possibilidade de não receber a punição […] estaria calculado." Mas o que nada disso que vc diz responde é: se eu não posso evitar fazer o que fiz, que propósito (sentido) há me punir? Isso parece tão irracional quanto punir uma árvore que caiu sobre um carro com a força do vento. É claro que podemos agir irracionalmente e assim o fazemos o tempo todo. Mas nossa intuição é que punir é algo racional. Sendo assim, se admitimos o determinismo, ou mordemos a bala e admitimos nossa irracionalidade ou mostramos que, apesar das aparências, não é irracional punir (ou recompensar). Seu comentário sobre o sentido me parece deslocado, pois "sentido" ali significa algo como "propósito racional". É claro que uma saída fácil de um paradoxo é abandonar a racionalidade, ou seja, desistir… Teu comentário sobre um "modelo logicamente impecável" também me parece deslocado, pois em nenhum momento eu assumo que todo modelo logicamente impecável é verdadeiro. O que o problema parece mostrar é que o tal modelo não é logicamente impecável e sê-lo é uma condição necessária da verdade, embora não suficiente.
ResponderExcluirConcordo, mas a idéia não é bem desistir da busca de sentido ou da lógica sobre a realidade, minha idéia foi apontar outra saída possível: talvez a realidade não tenha lógica ou sentido mesmo (sob qualquer interpretação que "sentido" tenha: teológico ou lógico).
ResponderExcluirEntende ?
Quando se procura esgotar as explicações sobre um dilema da realidade sob o olhar filosófico temos tanto que procurar esgotar sob o ponto de vista racional quanto irracional.
Questão de opinião somente:
Acho que se as explicações racionais chegam num limite, descartando a possibilidade de que novas informações tragam luz para a análise racional, temos que encarar as possibilidades de que a realidade talvez seja não racional. Talvez não haja instrumentos cognitivos racionais capazes de captar a realidade por ela não ser assimilável pela razão. Seria uma alternativa racional concluir que o dilema não é racional.. hehehe!
Isto me lembra um dilema que aponta que uma decisão não racional não é necessariamente irracional. Suponhamos que temos duas opções que tem a mesma relação custo/benefício mas não podemos ficar sem uma decisão pela omissão ser de altíssimo custo. A saída racional seria jogar uma moeda. Para a racionalidade, decisão embasada na sorte não é justificada, mas pior do que uma decisão não justificada é a ausencia de decisão, então neste caso uma decisão não racional é racional logo nem toda decisão não racional é irracional.
Talvez punir uma árvore não tenha sentido racional, mas faria parte do mecanismo determinista que rege como tudo funciona. Não teria sentido tanto quanto a morte por exemplo, apesar dela existir independente disto.
A desvantagem da abordagem é que assumir a não racionalidade pode ser uma saída falsa adotada somente pela facilidade em evitar o dilema, uma saída que simplesmente declara que o problema é assim mesmo: um problema sem solução assimilável pelo intelecto humano. Resolve-se sem pensar no problema.
Att
Nildson de Ávila
Ps. Parabéns pelo blog, ele é muito bom, navego quando tenho tempo.
Consegues pensar sem lógica? Não? Então se o mundo "não tem lógica" (supondo que faz sentido dizer isso), então não consegues pensá-lo. Logo, como *sabes* que ele não tem lógica se sequer consegues pensá-lo?
ResponderExcluirTeu argumento não serve para concluir que, em certos casos, decidir com base numa moeda é racional, mas que decidir, nesses casos, é racional, seja do jeito que for.
Novamente, nada do que dizes parece solucionar o problema. Essa é a verdadeira desvantagem dessa abordagem. De fato a gente diz: o que não tem solução solucionado está. Mas então essa solução é simplesmente um abandono do problema. Mas não haver solução tem conseqüências: se nosso sistema de crenças é contraditório, então, de acordo com a lógica clássica, é trivial: implica qualquer proposição. Podemos abandonar a lógica clássica em favor de outra? Há tentativas. Mas são os seus proponentes que têm o ônus da prova. E segue o baile.
Obrigado, volte sempre.
Me sinto tão perdida nas primeiras leituras, mas depois da décima começo a entender alguma coisa rsrsr òtimo texto.
ResponderExcluirObrigado!
Excluir