Translate
sexta-feira, 24 de novembro de 2006
(DC1) Janet Broughton, Descartes's Method of Doubt
Preciso acertar umas contas com a dúvida cartesiana. Por isso, estou lendo Descartes's Method of Doubt, de Janet Broughton (Princeton University Press, 2001). É um livro muito bem escrito, claro, bem argumentado e bem apoiado nos textos de Descartes. Meu objetivo é entender a natureza da dúvida cartesiana. Eu tenho uma hipótese disjuntiva que estou testando: ou (1) a dúvida cartesiana não é uma dúvida ou (2) ela é ininteligível. Mas minha estratégia argumentativa para (2) não coniste em mostrar, como Wittgenstein, que a dúvida pressupõe certeza. Ela consiste muito menos em tentar inferir que a dúvida certesiana é ininteligível da afirmação que ela não é uma dúvida ordinária. Ao invés disso, ela consiste em tentar mostrar que não temos como determinar critérios para essa dúvida, se negamos que seja uma dúvida ordinária. Uma das maneiras de se escapar do meu argumento, na suposição que ele esteja correto, consiste em dizer que o meditador apenas finge que duvida. Mas fingir que se duvida não é duvidar, o que implica (1). Noutra ocasião exporei com mais detalhes minha estratégia para provar minha hipótese disjuntiva. O livro de Broughton está me ajudando a reconstruir a primeira das Meditações de Descartes de uma maneira caridosa no que respeita às relações entre crença razoável, dúvida ordinária, certeza e dúvida cartesiana. Ela argumenta persuasivamente contra a interpretação que afirma que a motivação da dúvida certesiana é uma certa teoria do conhecimento de Descartes que contém uma tese sobre o que é uma crença racionalmente aceitável. Todavia, uma questão diferente é se a aplicação da dúvida cartesiana não implica uma tal teoria.
Assinar:
Postar comentários (Atom)
Como disse, estou enferrujado em Descartes, século 17, estas coisas. Mas, sobre a dúvida em Descartes, acho interessante explorar certas visões da dúvida que explicitam seu caráter metódico, e comparam a mesma com os exercícios espirituais de Inácio de Loyola. Acho (se bem lembro) que o Hatfield vai por esse caminho.
ResponderExcluirEm um exercício espiritual ao estilo de Inácio de Loyola, o fiel se propõe tentações para testar sua fé. De certa forma, é o que faz Descartes, mas no plano racional. Ele se propõe razões para duvidar para testar suas razões para crer.
Acho que tal tipo de visão não cai em nenhum dos disjuntos que você propõe. Parece que deveríamos ficar com o primeiro dos disjuntos, mas seria inadequado dizer que seja que o fiel "finge" em algo que é tão sério, e o mesmo comentário, creio eu, vale para o descrente metódico.
O seguinte trecho resume a proposta do G. Hatfield:
ResponderExcluir\\The doubt itself does not "accustom" the mind to consider intelligible objects, but it provides a means for suspending judgment about corporeal things and drives one to a last refuge of certainty in the direct apprehension of one's own thought. It serves as a kind of exercise for the mind. It is, I shall argue, indispensable in this regard because it provides the means for freeing one's attention from sensory ideas in order to attend to an independent source of knowledge: the pure deliverances of the intellect. It thus serves a function in Descartes' Meditations similar to that of doubt and other "purgings" of the senses in the tradition of spiritual meditation stemming from St. Augustine.// (Gary Hatfield, "The Senses and the Fleshless Eye", p. 47)
Cesar, Obrigado pelo comentário. Broughton leva em consideração esse aspecto metódico da dúvida, no que tange a afastar-me das crenças ligadas aos hábitos sensíveis, etc. E ela me convenceu sobre isso. Mas uma coisa é a identificação da motivação para a dúvida, outra coisa é (a) o que ela é e (b) se a sua motivação é justificada. O que Hatfiled diz não exclui minha tese, creio. Quando falo em fingir, não quero ser pejorativo. (Mas o próprio Descartes usa essa palavra.) Apenas quero dizer que osujeito que duvida, no sentido relevante, não deixa ou não é obrigado a deixar de acreditar no que acreditava antes de começar a duvidar.
ResponderExcluirUm outro ponto: meus posts são feitos enquanto leio o livro. Algumas vezes a resposta para perguntas que faço em um post está em algum post subsequente. Fiz isso até com a propria Broughton. Mandei um email para ela com perguntas e depois percebi que a resposta estava um pouco mais adiante. Então mandei um novo email dizendo isso. Mesmo assim ela respondeu ao email gentilmente, isistindo num ponto que concordo: Descartes coloca certas afirmações na boca do meditador que expressam crenças que ele somente poderia obter com a aplicação do método da dúvida.
ResponderExcluirOi Alexandre,
ResponderExcluirRespondo ao teu e-mail por aqui. A questão é a motivação para a adoção do método da dúvida. Você aponta \\Broughton afirma que a motivação para a adoção do método da dúvida, "só se afirme ou negue aquilo que é indubitável"//.
É curioso que Broughton imagine que esta seja a motivação. É inusitado. A motivação, me parece, é o que vem antes, logo no início do parágrafo de abertura da Primeira Meditação. "Há já algum tempo [...] me era preciso [...] desfazer-me de todas as opiniões que até então aceitara [...]" (AT ix-1, 13).
É razoável pretender desfazer-se de todas as opiniões e preconceitos? Creio que não. Mas vamos conceder o ponto a Descartes. Nesse caso, é razoável aplicar o método da dúvida para tal fim? Se por "opinião" entendemos o estado epistêmico carente de justificação, e a idéia é "desfazer-se", de alguma maneira (não afirmando nem negando, por exemplo), duvidar pode ser uma boa coisa, desde que a dúvida seja seguida pela suspensão do juízo, o que parece ser a proposta de Descartes.
Enfim, nesse caso a coisa, a aplicação do método da dúvida, não parece tão ruim, mas só porque concedemos o primeiro ponto.
Acho que houve novo mal-entendido. Primeiro reporduzo meu email:
ResponderExcluir"O que eu quis dizer é: Broughton afirma que a motivação para a adoção do método da dúvida, 'só se afirme ou negue aquilo que é indubitável', não é uma teoria do conhecimento super exigente de Descartes. Digo isso no meu primeiro post. No final digo que, mesmo não sendo uma motivação para a adoção do método, resta saber se não é uma consequênica de sua adoção. Tudo o que tu disseste é verdade sobre Descastes na medida em que ele adota o método da dúvida. Mas a pergunta é: por que ele adota esse método? Qual a motivação? É ai que entra a interpretação de Broughton. Veja minha resposta aos teus comentários sobre meu post (DC1). Interpretei o teu 'o deontologismo epistemológico de Descartes exige...' como significando justamente o que Broughton nega."
Quando digo "Broughton afirma que a motivação para a adoção do método da dúvida, 'só se afirme ou negue aquilo que é indubitável',..." o que está entre vírgulas procura explicar o que é o método da dúvida, não qual é sua motivação.
Nenhuma explicação da razoabilidade do método da dúvida pode ser independente de uma explicação da razoabilidade da motivação para adotá-lo, seja qual for essa motivação. Também não é independente da explicação do que é a dúvida (se ela implica não acreditar naquilo que se duvida, etc).