Dois Filósofos, de Rembrandt |
Recebi emails de um sujeito que acha que sou arrogante por escrever "filósofo" no meu perfil; que me falta humildade para reconhecer que não sou filósofo. Ele acredita que, para ser considerado filósofo, não é suficiente eu ser Doutor em filosofia, ter publicado artigos e um livro sobre filosofia, participar de colóquios sobre filosofia, ser professor de filosofia, participar de grupos de pesquisa em filosofia, tudo isso lidando sistematicamente com problemas filosóficos. Se raciocinássemos do mesmo modo com relação às pessoas que fazem isso tudo na física, deveríamos dizer que não são físicos. São o que, então? (Sobre isso, ver Filósofo, filosofia e filosófico, de Eros de Carvalho.)
Esse sujeito provavelmente acredita que "filósofo" é um título honorífico que só se concede a quem seja tão excelente em filosofia que entra para a sua história como um dos grandes. Infelizmente, essa idéia ridícula é muito difundida, e não apenas entre leigos, mas também dentro da academia. Digo "infelizmente" porque esse tipo de idéia atrapalha por demais o progresso dos estudantes de filosofia, que se sentem incapazes e se acovardam quando são convidados a filosofar. A filosofia é certamente uma atividade difícil, mas não é algo que apenas algumas raras mentes podem fazer; tampouco é algo que se começa a fazer apenas depois de muitas décadas de estudo em alguma montanha, caverna ou floresta, com os cabelos e barba brancos e um ar solene. A filosofia é tão difícil quanto qualquer outra atividade intelectual, embora sua dificuldade esteja ligada a aspectos que lhe são peculiares.
Concordo. Ver os homens do passado na sua grandeza monumental deveria servir de motivo para nos elevarmos, não ser motivo de paralisia e afastamento, por medo de nunca chegar nem perto dos seus feitos.
ResponderExcluirAliás, se fôssemos contabilizar todos os filósofos existentes em todos os tempos passados e presentes, tenho certeza que muito mais de 50% ainda estão vivos.
ResponderExcluirAlexandre,
ResponderExcluirNão acho pretensioso alguém apresentar-se como "filósofo". Aqueles que acham pretensioso denominar-se assim provavelmente vêem a figura do filósofo como próxima da figura do sábio, ou seja, alguém que domina suas paixões e vive com a mente tranquila.Tais conquistas são, supostamente, dificeis de alcançar. Logo, a presunção. Além daquela que apresentaste, acho que uma boa resposta para alguém que pensa assim é lembrar algo que o Rogério lembrou certa vez. Há diferentes coisas que podem ser feitas sob o nome de filosofia, assim como há muitas coisas que podem ser feitas sob o nome religião ou arte.
Os filósofos antigos, de fato, estavam mais proximos da figura do sábio do que nós (no sentido prático, de acalmar a mente). Mas há um componente intelectual na sabedoria (que Sócrates, por exemplo, prezava) e que se mantém vivo até os dias de hj. Na minha opinião, vc é um excelente filósofo, no melhor sentido que essa palavra pode ter.
Prá terminar, queria confessar que gosto da idéia do sábio e acredito que essa idéia deve ser cultivada como uma possibilidade para a nossa filosofia. Eu gostaria, por exemplo, que todas as pessoas que se aproximassem de mim sentissem serenidade ou tranquilidade.Em geral, não é isso que acontece, mas considero que seria uma perda desvincular a filosofia desse tipo de possibilidade.Abração
Flavio
César: Pois é, mas como eu disse, o pior é que esse tipo de visão distorcida é muito comum na academia. Ela parece ser fruto de um dos seguintes mecanismos: ou o sujeito se acha um gênio e não quer ser colocado ao lado de quem não é digno de ser comparado com ele, ou ele se acha incapaz e quer garantir que, por definição, todos os sejam.
ResponderExcluirFlávio: Obrigado pelas palavras positivas. Eu não dissocio a filosofia a melhoria mental em geral, o que inclui a melhoria na harmonia entre os estados mentais (desejos, crenças, etc.) embora eu ache que isso não seja necessário (há muita gente incapaz de lidar com a vida prática que lida muito bem com problemas filosóficos). Eu tendo a concordar com Wittgenstein: o filósofo procura a paz nos pensamentos, ou seja, ele procura se livrar daquilo que atormenta seus pensamentos: os problemas filosóficos, que podem ser problemas que envolvem conceitos éticos, estéticos, religiosos. Abraço.
ResponderExcluirCaro Alexandre,
ResponderExcluirParabéns pelo seu blog. É a primeira vez que aqui venho mas passarei a ser visita regular.
Quanto ao post, penso que muitas vezes se confunde "filósofo" com adjectivo VS substantivo.
Ou seja, um filósofo (substantivo) é alguém que faz tudo aquilo que você faz, um filósofo (adjectivo) é o sábio e pensador.
Será esta a chave do enigma?
Parece-me muito mais arrogante aquele que pretende legislar o uso de "filósofo" de tal forma que a aplicação do termo a um indivíduo pressupõe que este indivíduo seja reconhecido como genial. Como você bem lembra, há um uso do termo em perfeita harmonia com o uso geral de termos profissionais que não demanda a associação entre ser filósofo e ser genial ou ser filósofo e ser sábio.
ResponderExcluirHá um argumento muito simples: grandes filósofos, ao longo da história da filosofia, sempre se referiram aos pequenos filósofos por "filósofos". Sendo assim, não há prima facie qualquer razão para nós pequenos não o fazermos também.
Essa discussão também pode ser encarada como um embate político sobre a concessão de um honorífico. Digo "político", pois alguém pode lhe negar o epíteto de "filósofo" não por estar comprometido com a associação entre filósofo e sábio ou filósofo e gênio, mas sim por ter interesses estratégicos bem particulares...
Jaime: Obrigado pela visita e volte sempre. Não concordo com essa distinção entre substantivo e adjetivo. Para mim, a diferença entre filósofos como Aristóteles, Santo Agostinho, Descartes, Kant, Hegel, Wittgenstein, etc., e eu é que eles são grandes naquilo que fazem e eu sou menor (bem menor). Mas eles são grande e eu sou menor na mesma coisa: filosofia. Eles procuraram, do modo como eles achavam melhor, lidar com problemas filosóficos, assim como eu tento fazê-lo, o modo como eu acho melhor.
ResponderExcluirEros (awks): Infelizmente é verdade: em muitos casos a recusa a considerar alguém filósofo não tem uma base filosófica, mas política, numa tentativa de desqualificar um inimigo político dentro da academia.
ResponderExcluirOi Alexandre (e demais)
ResponderExcluirVou começar dizendo o seguinte (nas pegadas do Flávio): que eu te considero um grandes filósofo!Eu também considero esses outros caras que passaram por aí e que eu conheço (O César, o Flávio e o Eros) grandes filosófos. Claro, eu poderia ser mais preciso e dizer por que considero cada um de vocês grandes filósofos, e dizer por que cada um de vocês não é tão grande quanto, digamos, Russell. Então eu reforçaria as considerações de cada um de vocês. Mas eu vou dizer algo para reforçar o que, parece-me, é básico para considerar alguém como um filósofo: que ele seja capaz de pensar em alguns probleminhas filosóficos por sua própria conta e risco. Por dever de ofício, alguns devem pensar mais sistematicamente do que outros. Eu não acho que "pensar por sua própria conta e risco" deva excluir a desconsideração do que outros filósofos já pensaram, mas eu também não acho que seja condição necessária o conhecimento de que outros filósofos pensaram. Então, eu acho que, de vez em quando, até o porteiro do meu prédio pode ser chamado de filósofo... Eu vou dar um exemplo de alguém que não é um "filósofo profissional" e que, em minha opinião, recentemente pensou sobre um problema filósofico (ou mais de um, não importa). Em uma entrevista recente, a atriz Fernanda Montenegro disse que somente após a morte do marido tinha se dado conta da finitude -- foi essa a palavra reproduzida na entrevista -- e que agora, aos 80 anos, estava experimentando o "desmonte psíquico, físico e existencial". Eu quero terminar dizendo, para continuar no exemplo (e tô achando que exemplos às vezes são bem melhores do que definições), que qualquer um que seja capaz de pensar um pouco sobre seu próprio desmonte psíquico, físico e existencial pode, em certo sentido, ser chamado de filósofo, e isso sem nenhuma pretensão ou desqualificação para a atividade (em alguns casos, profissional) que é a filosofia.
Um grande abraço desse filósofo de quinta categoria.
Giovani: É sempre uma alegria ler teus comentários, que há tempo não fazias. Estava sentindo falta das tuas colaborações. O que pensas de mim não é o mesmo que penso de ti, pois acredito que estás mais próximo de Russell que eu. Seja como for, concordo que um filósofo é alguém que pensa por conta a risco sobre algum problema filosófico. Talvez não seja um filósofo profissional, na medida em que filosofe apenas eventualmente. Também concordo com o que dizes sobre a história da filosofia. Quanto ao teu exemplo, creio que posso concordar que uma reflexão sobre finitude pode dar origem a problemas filosóficos, sim. Grande abraço.
ResponderExcluirAlexandre
ResponderExcluirEu não tenho uma "teoria" do que é ser um grande filósofo. Mas faz parte da minha ideia do que é ser um grande filósofo ter dado (ou estar dando) um contribuição duradoura (ou que venha a ser assim tratada) para a filosofia. Nesse sentido, mesmo que a gente classifique Russell (ou qualquer outro grande filósofo, acima ou abaixo dele, não importa) como de "segunda, terceira, quarta, etc, categoria", eu sinceramente acho, e sem rasgação de seda, que estás muito mais próximo de qualquer grande filósofo que conheço. O teu livro, que eu acho excelente (digamos, de primeira) reforça o que estava e estou querendo dizer.
Um grande abraço.
Giovani: Para mim é uma grande alegria ser assim considerado por um amigo que admiro. Grande abraço.
ResponderExcluirOi Alexandre.
ResponderExcluirSou visitante primaira vez,achei interessante o site...Penso que o que pode parecer arrogante, tambem é corajoso.É difícil pra mim expressar o que é filósofo,mas diria que é um "apaixonado" no sentido intelectual e sentimental.Enfim pode ter várias outras interpretações desde que saiba o que está dizendo...
Rogério: Obrigado. Como dizia Kant: Sapere Aude!, ou seja, tenha coragem de saber!
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