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sábado, 7 de fevereiro de 2009

Filosofia e sua história

Em sua Encyclopedia of Wines and Spirits, Alex Lichine descreve [o Xerez] com essas palavras:


A coisa mais interessante sobre o Xerez [...] é o peculiar sistema por meio do qual sua melhor qualidade é mantida. Um Xerez muito velho, muito fino, tem o poder de educar e melhorar um mais jovem. Por causa disso, os vinhos antigos são mantidos nos barris mais velhos que os fabricantes chamam soleira. Essa é uma série de tonéis [casks] graduados pela idade. Uma série é feita a partir de tonéis grandes [butts] idênticos. A classe mais antiga em uma soleira é aquele chamado Soleira. A segunda mais antiga é a primeira Criadeira, a terceira é a segunda Criadeira, e assim por diante. Quando o vinho é dragado da Soleira, é dragado em quantidades iguais de cada tonel grande. Então inicia-se um sistema progressivo no qual a Soleira é recarregada pela primeira Criadeira, que por sua vez é recarregada pela segunda Criadeira, etc.  O resultado mágico desse processo é que o último tonel permanece eternamente o mesmo em qualidade. Um tonel de 1888, por exemplo, dificilmente mantém uma colher da sua safra original. Mas cada substituição colocada de volta dentro dele durante os anos  foi educada para ser 1888, e substituições  por vir serão escoladas no mesmo padrão. Por meio desse sistema, é possível não apenas preservar a mesma qualidade e caráter do vinho ao longo dos anos, mas também, por constantemente renovar [refreshing] os tipos Finos com vinhos mais novos, evitar que perca seu frescor [freshness].


Nesse sistema de bombas e barris encontramos um meio de descrever a relação entre a filosofia tradicional e a filosofia contemporânea. Tomando emprestado a expressão de Lichine, podemos dizer que a filosofia mais antiga tem o poder de educar e melhorar a nova filosofia. E a nova filosofia não apenas preserva a qualidade e caráter da filosofia mais antiga, mas tem a capacidade de renová-la [refresh it]. Combinação, preservação e renovação [refreshment] são, portanto, as características que definem a relação entre a filosofia presente e sua história. Mas agora a questão é se a metáfora da Soleira se ajusta aos fatos. A filosofia analítica do séc. XX é um vinho novo? Ou é como um vinho antigo que perdeu o seu frescor [freshness]?


A questão é composta pelo fato de ser difícil dar uma definição precisa de "filosofia analítica", dado que ela não é tanto uma doutrina específica quanto uma concatenação frouxa de abordagens de problemas.


[Stroll, Avrum. (2000) Twentieth Century Analytic Philosophy. New York: Columbia University Press pp. 4-5. Na foto, Stroll saboreia queijo e vinho. Será um xerez?]

2 comentários:

  1. Oi Alexandre

    Eu gostei da metáfora. Eu só acrescentaria, ou melhor, modificaria um pouco a pergunta. Eu perguntaria se a filosofia analítica está *perdendo* o seu frescor. Não acho que essa "concatenação frouxa de abordagem de problemas", nas mais diversas áreas, que tem um pouco mais de 100 anos, tenha perdido de vez todo o seu frescor. Apenas para dar um ou dois exemplos, já que falar das contribuições da filosofia analitica para os debates atuais em metafísica, lógica e filosofia da lógica,filosofia da linguagem, epistemologia, filosofia da mente, e ética ou filosofia moral, seria até uma "covardia" (já que eles são imensos e espocam a toda hora, que acompanhar é muito difícil): apenas recentemente, digamos que de uns 20 anos pra cá, filósofos analíticos começaram a dar contribuições mais importantes em uma área não menos tradicional da filosofia, a estética. Em filosofia da religião, para não esquecer, eles já vem dando a mais tempo contribuições valiosas.Ah, e já ia me esquecendo: dos chamados filósofos analíticos continuam vindo, também, importantes contribuições para a interpretação de filósofos clássicos.
    Então, eu não acho que a filosofia analítica tenha perdido o seu frescor e nem que esteja perdendo. Isso é intriga da oposição! :-)

    Um grande abraço.

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  2. Oi Giovani: Obrigado pelo teu comentário. Concordo inteiramente com tuas observações. Não sei qual resposta o Stroll vai dar. Mas eu arrisco dizer que ele vai dizer que a filosofia analítica é um vinho novo. Pelo que pude sentir da leitura até agora, ele pensa que a filosofia analítica só tem a ganhar com o trabalho sobre a filosofia tradicional. Estou lendo esse livro (emprestado do gentilíssimo Luiz Eva) enquanto me instalo em Curitiba. Ali tem uma pequena crítica ao que Stroll chama de o argumento de Russell para mostrar que nomes e descrições tem papéis lógicos distintos. Meu plano é em breve postar a crítica e comentá-la. Grande abraço!

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