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sexta-feira, 2 de maio de 2008
Externismo, Inferência e Anáfora
Um debate entre Paul Boghossian (foto) e Stephen Shiffer mostra algo interessante sobre a relação entre externismo e anáfora. Em "Externalism and Inference" (Philosophical Issues, 2, 1992, pp. 11-28), Boghossian nos convida a imaginar uma situação em que alguém que sofreu uma imperceptível "mudança lenta" de ambiente realiza uma inferência usando uma mesma expressão ambiguamente nas premissas, embora não note que é ambígua nem possa notar. Esse sujeito estará realizando, sem o saber e sem poder sabê-lo, uma inferência inválida. O exemplo de Boghossian é o seguinte:
1. Pavarotti nadou uma vez no lago Tampo.
2. O cantor que ouvi ontem é Pavarotti.
3. Portanto, o cantor que vi ontem nadou uma no lago Tampo.
(1) é uma afirmação verdadeira sobre Pavarotti, (2) é uma afirmação verdadeira sobre Pavarotti-gêmeo, uma réplica de Pavarotti que vive na Terra-Gêmea, e (3) é uma afirmação falsa sobre Pavarotti-Gêmeo. Peter, o sujeito que realiza essa inferência afirma (1) baseado na sua memória do que ocorreu na Terra. Depois ele é levado, sem notar, para a Terra-Gêmea, onde vai a um espetáculo do Pavarotti-Gêmeo. Baseado nisso ele afirma (2).
Shiffer ("Boghossian on Externalism and Inference", Philosophical Issues, 2, 1992, pp. 29-37) afirma que a interpretação intuitiva da inferência acima baseia-se no seguinte princípio: seja qual for a referência de "Pavarotti" em (1), é a mesma referência de "Pavarotti" em (2), pois essa é a intenção de Peter: estar falando da mesma pessoa. Shiffer, portanto, interpreta o segundo uso de "Pavarotti" como um uso anafórico.
A réplica de Boghossian ("Reply to Shiffer", Philosophical Issues, 2, 1992, pp.39-42) é, a meu ver, óbvia: a objeção de Shiffer não é feita a partir de um ponto de vista externista, pois a intenção de estar se referindo à mesma pessoa não é algo afetado pelas mudanças ambientais. Shiffer parece incoerente quando admite que Boghossian está correto quanto ao conteúdo da memória antes e após a mudança lenta, mas ao mesmo tempo afirma que a referência de "Pavarotti" deve ser a mesma no raciocínio de Peter. Se Boghossain está certo, e creio que está, então um externista não pode, sob pena de incoerência, explicara a referência em casos de inferências como a de Peter por meio da anáfora.
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