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terça-feira, 3 de junho de 2008

Malcolm e o contingente a priori


Kripke sustenta que a referência de "um metro" é um objeto abstrato, um "certo comprimento", e que (1) é uma propriedade acidental desse objeto que a barra S tivesse esse comprimento no momento em que se fixou a referência de "um metro". Norman Malcolm argumenta contra (1) da seguinte forma:
...se a barra S tivesse tido um comprimento diferente quando a definição foi adotada, o objeto teria sido diferente. Não pode ser uma propriedade contingente "do objeto" em questão que a barra S tinha "aquele comprimento", pois se S tivesse tido um comprimento diferente, "o objeto" designado pelo termo "um metro" teria sido diferente. A identidade do assim chamado "objeto" depende somente do comprimento de S. {"Kripke and the Standard Meter", Wittgensteinian Themes. G.H. von Wright (ed.). Ithaca: Corenal University Press, p. 63}
A referência de "um metro" foi fixada por meio da descrição "x é o comprimento de S em t", onde t é o momento em que a referência foi fixada e S é o nome de uma barra. Em t, "um metro" passou a se referir a m, porque m era o comprimento de S em t. O que Malcolm está dizendo é que o que é dito com a frase

(1) S tinha um metro em t

não é contingente. Se o comprimento de S em t fosse igual a n e n fosse diferente de m, então "um metro" não teria a referência que tem, a saber, m, mas sim n. Se tivesse, então "S tinha um metro em t" seria verdadeira no caso em que S tivesse um comprimento igual a n, e portanto, diferente de m. Consequentemente, (1) seria verdadeira.

Uma resposta a Malcolm seria dizer que ele simplesmente ignorou o fato de que, para Kripke, "um metro" é um designador rígido: uma vez fixada sua referência, ele designa a mesma coisa em todos os mundos possíveis.

Mas acho que o problema é mais básico e, de certa forma, pré-teórico, pois pode ser formulado sem mencionar a teoria da designação rígida. O problema é que, na conclusão de Malcolm, aquilo que é dito por meio de (1) não é o mesmo que, inicialmente, se queria avaliar se era contingente ou necessário. O que se queria avaliar era se o que dizemos ao pronunciar (1) no mundo atual é verdadeiro em todos os mundos possíveis, não se o que dizemos com essa frase em todos os mundos possíveis é verdadeiro. Não basta mostrar que, em todos os mundos possíveis, ao se pronunciar uma certa frase, ela diz-algo verdadeiro, para mostrar que o que ela diz no mundo atual é verdadeiro em todos os mudos possíveis, isto é, necessário.

Se aceitamos que "um metro" se refere a uma entidade abstrata, objetiva, que possui as propriedades que possui independentemente de S, então não vejo como rejeitar a conclusão de Kripke. Mas a tese da entidade abstrata, nesse contexto, tem uma pressuposição que pode esconder problemas: a pressuposição que podemos (faz sentido) falar do comprimento de um objeto (a entidade abstrata) sem comparar esse objeto com outros. É isso que está por trás da idéia que podemos saber que comprimento um objeto possui comparando esse objeto consigo mesmo [ver Kripke e Wittgenstein: Contingente a priori e identidade]. Supostamente, faço isso quando digo, por exemplo, que

A altura de Churchill quando pronunciou a frase "I have nothing to offer but blood, toil, tears, and sweat" era de 1 Churchill.

Mas não aprendemos o conceito de altura, ou qualquer conceito de medida, aprendendo a fazer referência a medidas in abstracto. Parece que, seja o que for que aprendemos ao aprender o conteúdo de expressões para medidas, trata-se de algo essencialmente relacionado à comparação de objetos com outros objetos, não consigo mesmos.

Foto: Antigo metro padrão de Paris

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