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quinta-feira, 30 de novembro de 2006

(TLP1) Mais uma tentativa revisionista


Na defesa da minha tese, o Prof. Vergílo Cutter disse que eu tinha colocado uma pá de cal sobre a interpretação revisionista do Tractatus. Exageros à parte, o revisionismo tem ganhado força. Cora Diamond e, princiaplmente, James Conant têm produzido muito material em sua defesa, tentando dar conta da avalanche de objeções que continua se abater sobre ele. Acaba de ser publicada na Notre Dame Philosophical Reviews uma resenha de Wittgenstein's Tractatus: An Introduction, de Alfred Nordmann (Cambridge University Press, 2005, 234pp., $24.99), um dos editores de Philosophical Occasions. Não li o livro, mas de acordo com o resenhista, Jinho Kang (Seoul National University), Nordmann procura fazer uma introdução revisionista ao Tractatus, orientada pela grande pergunta: como é possível mostrar que o Tractatus é escrito em uma linguagem sem sentido (nonsensical) e que ele apresenta um argumento persuasivo? Kang acredita que Nordmann não consegue responder a essa perguinta de modo satisfatório. Vejam um trecho relevante da sua resenha:

Again, the same kind of problem arises for Nordmann's discussion in the first half of Chapter 4. In this part Nordmann investigates the grammatical character of Tractarian statements and boldly suggests that they should be understood as implicit subjunctives. According to him, for example, the famous opening remark of the Tractatus, "The world is all that is the case," should really be understood as follows:

If any sense whatsoever were expressible in speech and I wanted to express thoughts about the relation of language and the world, it would first occur to me that the world is all that is the case. (p.138)

With this characterization of Tractarian statements as subjunctives, Nordmann attempts to give a unified treatment of his discussions in Chapter 2 and 3. According to him, both the overarching reductio-argument of the Tractatus and its individual aphoristic statements share a purely hypothetical character and accordingly can be written best in the subjunctive mood. This is again an interesting idea, but we need to know more about how Tractarian statements could play the role of hypotheses in the subjunctive mood if they are simply nonsense.

A frase citada por Kang tem sentido. E a interpretação de Nordmann exige que tenha. Como ele resove esse problema? Ele procura justificar a crença no pouco provável (para dizer o mínimo) por apelo ao ainda menos provável:
It is well known that the Tractatus classifies sentences into three categories: sentences that have senses (=sentences of natural sciences), sentences that are senseless but not nonsensical (=tautologies and contradictions), and nonsensical sentences (=philosophical and metaphysical statements). Now Nordmann's proposal is that there is another category of sentences, namely those that are nonsensical but not senseless, and that the statements in the Tractatus belong precisely to this category.
Eis como, de acordo com Kang, Nordmann explica sua tese:
What Nordmann really means by Tractarian statements being "nonsensical but not senseless" is that they are not senseless in another sense of "senselessness," corresponding to another sense of "sense" in the Tractatus. According to Nordmann, this second, "wider" conception of sense roughly corresponds to the conception of meaningfulness or point, as when we talk about the "sense of this action" or the "sense of my life."
Isso confirma o que eu disse em "A Terapia Metafísica do Tractatus de Wittgenstein": o revisionismo necessita atribuir ao autor do Tractatus uma concepção de sentido extra-tractariana. Kang aponta um problema na proposta de Nordmann:
If so, however, Nordmann's classification of sentences into the above four categories is confusing, as it naturally leads the readers to suppose that he is talking about the same conception of senselessness when he suggests that tautologies and contradictions are senseless but not nonsensical while Tractarian sentences are nonsensical but not senseless.
Para sustentar sua interpretação, afirma Kang, Nordmann apela para textos do Wittgenstein maduro. Mas isso, na minha opinião, pressupõe que sua interpretação esteja correta. Não vou argumentar em favor disso aqui, pois Kang faz uma observação que basta para pôr a interpretação de Nordmann em séries dificuldades (para dizer o mínimo):
By definition, a sentence that has only sense* can be neither true nor false, just as gestures, performances, and music can be neither true nor false. But recall that Nordmann's Main Question was how it would be possible to show that Tractarian statements are nonsensical but still advance a persuasive argument. Unless Nordmann means something entirely different by the term "argument" here, the relevant argument must consist of statements that can have truth-values so that it can guarantee the truth of its conclusion if its premises are all true. But how could Tractarian statements yield an argument, whether it is a reductio or a straightforward one, if they have only senses* and thus can be neither true nor false? Nordmann admits that the premises and conclusion of the Tractarian reductio-argument cannot have truth-values, but still maintains that it is a legitimate argument (pp.197-9). I confess I do not understand what he means here.
Nem eu. Mas, repito, não li o livro. É possível, embora ache pouco provável, que Kang esteja interpretando mal o texto de Nordmann.

6 comentários:

  1. Um pouco tardio o comentário, mas nem sempre leio teus posts com atenção logo que os publicas. Eu nunca fui grande leitor do Tractatus, e faz pouco que entrei em contato com a leitura "revisionista", como a chamas. Mas não me parece que Conant e Diamond defendam, assim sem mais, a tese de que "o Tractatus é escrito em uma linguagem sem sentido". Deixe eu tentar me explicar. Chamemos essa tese de "T". Tomemos o exemplo do Nordmann que tu usaste:
    "If any sense whatsoever were expressible in speech and I wanted to express thoughts about the relation of language and the world, it would first occur to me that the world is all that is the case". Chamarei essa frase de "F". Comentando F tu dizes que ela "tem sentido. E a interpretação de Nordmann exige que tenha", e por isso mesmo, dada T, haveria um problema interpretativo (cuja solução proposta por Nordmann realmente me parece muito estranha, para dizer o mínimo).

    Mas, o que significa exatamente dizer que F tem sentido? Ou que não tem sentido? Frases tem ou não tem sentido assim, intrinsecamente? Me parece que a resposta de Wittgenstein (early or late), e de Conant/Diamond seria: NÃO. Em "The Method of the Tractatus" (Reck E. (ed), From Frege to Wittgenstein: Perspectives on Early Analytic Philosophy, Oxford UP, 2002), Conant defende que W. adota uma "concepção austera do sem-sentido" (p. 398). Um dos traços fundamentais dessa concepção é que para saber o papel de uma expressão em uma proposição é necessário analisá-la, para determinar qual é a contribuição da mesma para o sentido da proposição como um todo --- não basta confiar no contato prévio com a expressão em questão. O exemplo usado para ilustrar isso é a frase "Trieste não é Viena"; nela, não obstante aparências em contrário, 'Viena' não é usada como um nome, e sim como um predicado. E não há sem-sentido nenhum sendo gerado --- como poderia sugerir a leitura "substancial" (inefabilista) do sem-sentido. Basta que analisemos corretamente a frase. A lição geral é que, para determinar o que um signo simboliza, W. defende que "devemos considerar o contexto do uso significativo" desse signo (#3.326) (cf. p. 403).

    Essas e muitas outras afirmações de Conant nesse e noutros artigos me levam a pensar que não há problema intrinseco nenhum com o sentido de F, ou de qualquer outra frase (do TLP ou qualquer outra) -- ou seja, podemos dar um sentido a essas frases. O problema na verdade é que o metafísico (e, por conseguinte, do leitor do TLP, enquanto engajado nesse procedimento de "tomar a si mesmo provisoriamente como participando na atividade filosófica tradicional de estabelecer teses através de um procedimento de argumento arrazoado" (p. 422)) se deixa levar pela ilusão de que há um certo "sentido" (ou sem-sentido) oculto e "substancial" em frases como F, um sentido (ou sem-sentido) que supostamente deveria "possibilitar um insight nos traços inexprimíveis da realidade" (p. 421).

    Bem, isso já está muito grande para um comentário, e muito curto para uma crítica construtiva. Mas quem sabe poderemos discutir isso melhor em outras ocasiões. Um abraço!

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  2. Jônadas,

    Obrigado pelo teu comentário. Conheço essa estratégia de réplica, muitíssimo usada pelo Faria em nossas longuíssimas discussões sobre esse tema. Mas nada do que eu disse supõe que frases são intrinsecamente com o sem sentido. É claro que marcas numa folha de papel, qua objetos físicos, não são nem significativas nem sem sentido. O que eu disse é que, de acordo com os revisionistas, se o TLP atinge seus propósitos terapêuticos, suas frases, ou ao menos parte delas (o quadro, por oposição à moldura), devem ser sem sentido. Note o antencedente: se leio o TLP e tudo nele faz perfeito sentido, então qualquer que seja esse sentido, ele não ajuda nos propósitos terapêuticos que os revisionistas atribuem ao TLP. A questão então é: como frases sem sentido podem ser terapêuticas.

    Eu acho essa réplica de Conant muito fraca. Ele chega a ponto de dizer que as frases do TLP significam o que quer que o leitor consiga fazer com que signifiquem (leia meu artigo sobre o revisionismo, cujo link está no texto do post). O ponto é: ou Wittgenstein, o autor do TLP, disse alguma coisa por meio daquelas frases, por mais difícil seja determinar o que ele disse, ou ele não disse coisa alguma. O trabalho do intérprete é determinar, da melhor forma possível e com todas as limitações a que essa tarefa está sujeita, o que o autor disse, se ele disse alguma coisa. É perfeitamente possível (embora improvável) que eu interprete a frase “Você é não é caridoso” como significando que amanhã vai chover. Mas se tu proferiste essa frase e quiseste dizer que eu não sou caridoso, então minha interpretação estará simplesmente errada. E se eu achar que tu não disseste nada com essa frase, também estarei errado. E se tu não quiseste dizer nada ao proferir essa frase (supondo que isso seja possível), então qualquer interpretação que eu atribua a essa frase estará errada.

    Tu introduzes um elemento novo e estranho na interpretação do TLP: a idéia de que o metafísico vê um sentido oculto nas frases do TLP. Acho isso não é correto. Justamente porque ele crê entender perfeitamente as frases iniciais do TLP que ele pode prosseguir na "leitura" para descobrir, mais adiante, que, surpreendentemente, se o que ele julgava entender fosse correto, então ele não deveria estar entendendo coisa alguma. Em um certo momento ele lança mão da distinção entre dizer e mostrar e acredita que ha algo que não pode ser dito, mas que se mostra e, por isso, não está oculto, ao menos não enquanto se mostra.

    Eu certamente teria prazer em continuar essa discussão. Abraços.

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  3. Alexandre,

    Vou ler teu texto assim que possível para ver se entendo melhor tua crítica. Por ora, quero esclarecer uma coisa: me expressei meio atabalhoadamente ao dizer que o metafísico (i.e., o metafísico em cada um de nós, leitores do TLP) "vê um sentido oculto" nas frases dessa obra. Acho que estás certo ao dizer que, segundo a interpretação revisionista, o que o metafísico pensa é que ele compreende perfeitamente as frases do Tractatus, pelo menos inicialmente. Mas o que queria indicar é a idéia de que, ao final do TLP, tendo (supostamente) percebido que as frases que ele pensou compreender na verdade não possuiam sentido (ou seja, supostamente compreendendo W.), o metafísico ainda crê que há algo que essas frases mostram, e esse "algo" é o que seria importante, apesar de inefável. Bater-se contra os limites do sentido mostraria esse "algo" que não pode ser dito. Isso é o que Conant denuncia como não jogar fora o último degrau da escada do TLP, e Diamond como "amarelar" (sei que deves estar de ouvidos calejados dessa ladainha, mas para mim isso tudo é novo e tentando explicar isso esclareço o assunto para mim mesmo).

    Meu ponto (que não estou certo se é o do Conant tb) é que o "sentido" que o metafísico pensa apanhar ao ler as frases do TLP não é na verdade sentido algum -- ou seja, a leitura dele não transforma os "signos" do TLP em "símbolos". Mas se não o faz, então só resta o mero sem-sentido, "em busca de um sentido", como diz o Conant em alguns contextos.

    Tu dizes: "ou Wittgenstein, o autor do TLP, disse alguma coisa por meio daquelas frases, por mais difícil seja determinar o que ele disse, ou ele não disse coisa alguma". Eu penso que o papel daquelas frases é fazer com que "o metafísico em cada um de nós" veja algo sendo dito por elas (algo que o próprio W. certamente pensou que elas diziam, pelo menos quando ele as escreveu pela primeira vez em seus Notebooks, ou pensou nelas ao refletir sobre questões tais como as da relação entre linguagem/pensamento/mundo, etc.). Gosto da metáfora do "espelho" do Conant em "Throwing Away the Top of the Ladder", que certamente conheces, mas não me custa citar neste contexto:

    "O silêncio em que o livro quer nos deixar no final é um no qual nada foi dito e não há nada a dizer (do tipo que imaginamos que havia [meu grifo]). É o silêncio representado pelo livro como um todo. Reconhecê-lo como silêncio exige que reconheçamos que esse livro não aspira dizer nada. É o silêncio produzido por uma tentativa de asserir verdades filosóficas. Não é um silêncio marcado pela conclusão de um discurso filosófico. O silêncio é ele mesmo um sintoma do discurso filosófico. Por conseguinte, ele não é um silêncio que o livro ele mesmo nos incute, mas antes um no qual ele nos descobre -- um ao qual somos atraídos em nossa atração pelas palavras que não são capazes de asserir nada. Que estamos sujeitos a tais atrações é o que a obra espera mostrar. Ela espera fornecer um espelho no qual podemos reconhecer nossas próprias inclinações filosóficas. O silêncio em que somos deixados não é o silêncio prenhe que vem de uma postura censurosa [não sei como traduzir "censorious" melhor] de guardar a santidade do inefável." (p. 344)

    Bueno, vejamos onde isso vai dar. Estou meio dando uma de advogado do diabo, pois nunca fui muito fã dessa leitura revisionista, mas percebi que ela esclarece algumas coisas que ando estudando para a tese, e por isso estou fazendo todo esforço do mundo para, pelo menos, compreendê-la. Abraço!

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  4. Jônadas, quando li "Throwing away the top of the ladder" pela primeira vez, fiquei fascinado. Àquela época, quase me tornei um revisionista. Comecei a avaliar essa interpretação dando uma de advogado do diabo, como fazes.

    A interpretação revisionista é elegante, engenhosa e cativante. Além disso ela lida de frente com certas questões que a interpretação tradicional muitas vezes nem nota. A interpretação revisionista certamente trouxe um novo fôlego e elevou o nível do debate exegético sobre o TLP. Mas acho que, no final, ela deixa o TLP em uma situação pior que a interpretação tradicional, ou seja, aberto a mais objeções. Acho também que alguns defeitos que ela atribui à interpretação tradicional são defeitos do TLP.

    O problema não é descrever como os revisionistas consideram as frases do TLP. O problema é entender essa descrição. O que impede o entendimento aqui, creio, é que essa descrição engendra certas perguntas que ou recebem dos revisionistas uma resposta inaceitável ou não recebe resposta nenhuma.

    Mas é claro que estou aberto para rever minhas opiniões. Abraços.

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  5. Prezado Alexandre


    Este post foi-me útil na hora certa. Valeu. Espero que o mantenhas no ar.

    Se não me aquivoco, tuas idéias sobre o TLP seguem na mesma linha das do Cuter (como aparecem no artigo da Analytica v 7 n 2, 2003. É isso?

    Abraço

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  6. Ed: Obrigado. Que bom que a postagem te foi útil. Infelizmente não li o artigo do João. Mas já discuti muitas vezes com ele sobre o Tractatus e concordamos em quase tudo.

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