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sexta-feira, 16 de maio de 2008

Bar-On: sobre a ordem da investigação acerca das manifestações (avowals)

Geralmente as discussões sobre os problemas filosóficos relativos às peculiaridades das auto-atribuições de estados mentais no tempo presente, as manifestações (avowals), partem da suposição que as manifestações não apenas expressam proposições capazes de serem verdadeiras ou falsas, mas veiculam conhecimento que o seu autor tem de si mesmo. Bar-On argumenta -- corretamente, na minha opinião -- que uma investigação sobre a natureza das manifestações não deve iniciar a partir desse ponto, pois isso fecha a possibilidade para considerações não epistêmicas da natureza das manifestações, tal como o expressivismo simples, que ela não advoga (ver post anterior).
Antes que possamos determinar se manifestações refletem um tipo especial de conhecimento que possuímos, precisamos entender o que os sujeitos fazem quando manifestam, e por que manifestações são tratadas tão diferentemente de outros pronunciamentos. [Speaking My Mind, p. 13]
Ela, então, ordena as principais perguntas da investigação assim (pp. 11-12):

(i) Por que as manifestações são geralmente tratadas como inigualavelmente seguras?
(ii) As manifestações veiculam auto-conhecimento privilegiado?
(iii) O que permite que tenhamos auto-conhecimento privilegiado?

Nem toda resposta a (i) implica uma resposta positiva a (ii). Não desafiar epistemicamente um proferimento, por si só, não implica tratar esse proferimento como a veiculação de conhecimento seguro. Não desafiamos epistemicamente alguém que diz "Ai!", mas não porque "Ai!" veicule um conhecimento seguro.

Aquilo para o qual quero chamar a atenção aqui é que, de acordo com esse modo de ver as coisas, a filosofia da linguagem ocupa ao menos o primeiro estágio da uma investigação filosófica em torno de certos problemas. Antes de resolver os problemas epistemológicos relacionados às manifestações, devemos examinar que tipo de ato de fala consiste em proferir manifestações. Acredito que, mutatis mutandis, uma estratégia similar deveria ser adotada em filosofia da matemática.

quinta-feira, 15 de maio de 2008

Neo-Expressivismo


Estou lendo Speaking My Mind: Expression and Self-Knowledge, de Dorit Bar-On (Oxford: OUP, 2004). Resenhas do livro podem ser encontradas no final da página de Bar-On. Nesse livro, Bar-On procura expor e defender o que ela própria denomina "neo-expressivimo", uma teoria de uma certa classe de auto-atribuições de estados mentais, as manifestações (avowals). As manifestações são frases ou pensamentos em que um sujeito atribui a si mesmo estados mentais no presente do indicativo, tal como "Eu sinto dor", "Eu penso que vai chover", "Eu odeio George W. Bush", etc. O neo-expressivismo procura conciliar elementos do que ela denomina "expressivismo simples", uma teoria não epistêmica (geralmente atribuída a Wittgenstein) e das teorias epistêmicas das manifestações.

Segundo o expressivismo simples, as manifestações não são verdadeiras ou falsas, mas apenas expressam os estados mentais que parecem atribuir ao sujeito, do mesmo modo como "Ai!", por exemplo, apenas expressa dor e não é uma expressão verdadeira ou falsa. É óbvio que, de acordo com o expressivismo simples, manifestações não podem veicular auto-conhecimento, conhecimento da própria mente, pois sequer são verdadeiras ou falsas.

As teorias epistêmicas das manifestações, por outro lado, partem do fato de as manifestações não apenas serem verdadeiras ou falsas, mas veiculam, na maior parte dos casos, auto-conhecimento, entendido aqui como um juízo recognicional que o sujeito faz de si mesmo e que está de algum modo justificado. Cada versão das teorias epistêmicas procura, então, determinar o tipo de faculdade que permite o auto-conhecimento, assim entendido, o que inclui uma consideração da natureza das entidades que são assim conhecidas.

O problema com o expressivismo simples, segundo Bar-On, é que ele não respeita a continuidade semântica entre atribuições de estados mentais de primeira e terceira pessoas. E essa continuidade é fortemente apoiada poraolgo análogo ao famoso "ponto de Geach": podemos usar manifestações como antecedentes ou conseqüentes de condicionais ou como premissas ou conclusões de inferências. Mas apenas o que pode ser verdadeiro ou falso pode ser assim usado.

O problema como as teorias epistêmicas, segundo Bar-On, é que elas não conseguem explicar os principais aspectos epistêmicos das manifestações, a saber: o fato de as manifestações estarem normalmente protegidas de avaliações epistêmicas, o fato de as manifestações serem tomadas geralmente como verdadeiras, a assimetria epistêmica entre primeira e terceira pessoas, etc.

O neo-expressivismo, tal como as teorias epistêmicas, defende que as manifestações são verdadeiras ou falsas e que veiculam auto-conhecimento. Mas, diferentemente das teorias epistêmicas, defende que não há nenhuma faculdade especial envolvida no auto-conhecimento e que as manifestações não são juízos recognicionais que o sujeito faz de si mesmo. Bar-On argumenta que os principais aspectos epistêmicos das manifestações, inclusive o fato de veicularem auto-conhecimento, podem ser todos explicados pelo fato de elas também expressarem os estados mentais que atribuem ao sujeito. E nisso o neo-expressivismo se assemelha ao expressivismo simples.

Esse é o resumo da ópera. Pretendo postar mais coisas sobre esse livro em breve. E dessa vez espero cumprir a promessa.

sexta-feira, 2 de maio de 2008

Autoridade da Primeira Pessoa

Dorit Bar-On, em "Avowals and First Person Privilege" (Philosophy and Phenomenological Reasearch, vol. 62, n. 2, 2001, pp. 311-35), chama atenção para um importante aspecto do nosso modo ordinário de tratar as auto-atribuições de estados mentais: a autoridade da primeira pessoa não é como a autoridade que atribuímos a especialistas em um determinado assunto. A autoridade de um especialista é contingente: é possível ser um usuário competente e sincero da linguagem na qual se atribui as propriedades que são objeto de conhecimento do especialista sem ser um especialista. Um usuário competente de "F" pode não ser confiável para decidir se algo é ou não é F. Mas nosso tratamento ordinário das auto-atribuições de estados mentais tende a eliminar essa possibilidade. Um sujeito cujas auto-atribuições parecessem ser sistematicamente falsas seria, na verdade, alguém que não é competente no uso da linguagem por meio da qual ele realiza essas auto-atribuições (p. 319).