Estar enganado é crer que algo é o caso quando não é, ou crer que algo não é o caso quando é. Ou seja, estar enganado é crer que as coisas são de um modo quando as coisas são de um modo diferente daquele que acreditamos. Descobrir um engano, portanto, é descobrir que as coisas são de um modo diferente daquele que acreditamos. Logo, não há como descobrir um engano sem que saibamos como as coisas são. Parte da descoberta de um engano consiste em descobrir como as coisas são. Por isso, um método filosófico que pretenda ser nada mais do que uma exibição sistemática de certos enganos não pode se abster de, em alguma medida, dizer como as coisas são. E pode-se dizer isso de outra forma: um método puramente negativo não é possível em filosofia. Isso é algo que Adorno e Horkheimer parecem não ter visto na sua crítica total à razão, criticada por Habermas. Como uma crítica da razão, se essa consiste em mostrar os seus supostos erros, pode não usar a razão para mostrar como as coisas de fato são?
Essa é uma das razões básicas de por que não entendo a interpretação de Wittgenstein como praticando uma filosofia puramente negativa, no sentido em que estou usando esse termo. Como eu posso reconhecer que me extraviei no sem-sentido se não reconheço que não satisfiz as condições para o sentido, sejam elas quais forem, sejam elas mais gerais, sejam mais contextuais. Como Wittgenstein pode não estar apontando para regras gramaticais e ainda querer mostrar que estamos fazendo
falsas analogias gramaticais? Como podemos estar usando a linguagem sem dizer nada se isso não é porque não estamos a usando como
deveríamos, se quiséssemos dizer algo? Negar que a regras sejam entidades abstratas não é negar que uso da nossa linguagem seja feito de acordo com regras, que podemos reconhecer e cuja tentativa de seguir pode fracassar.
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Agradeço a Mauê Zanchet por ler essa postagem e apontar um erro.
Acho que uma filosofia puramente negativa é impossível, que é no máximo uma ficção útil.
ResponderExcluirMas, vou tentar provocar um pouco o debate. Não sou leitor de Adorno, só que tenho um amigo que é e que traduz bastante coisa do adornês para coisas que eu entendo (e assumo que é uma boa tradução). Assim, me parece que alegar que o Adorno fez uma crítica tão ingênua da razão é algo que chega perigosamente perto de um espantalho.
O que me parece ser o ponto do Adorno (um ponto dos marxistas em geral) é que seria um engano pensar que a razão é sempre autônoma, que aquilo que aceitamos por nos parecer racional seja, de fato, aceito por nos parecer racional. Não é uma questão de ser contra a razão per se, mas ir contra muito do que geralmente se julga como racional, ou ir contra aquilo que é mais aceito como razão em certo contexto (como a concepção kantiana do que seria a razão e dos seus limites). O problema na verdade são certos usos da razão. Não sei até que ponto isto funciona, mas me parece ser o espírito da coisa.
Defender que aceitar o modus ponens é estar mergulhado na mentalidade burguesa é imbecil, mas não acho que os marxistas mais sérios defenderam ou defenderiam tal coisa.
Gregory, eu li "O conceito de esclarecimento" na graduação e fiz um trabalho de umas 30 páginas sobre ele. No final incluí a crítica de Habermas e uma crítica do Tugendhat dirigida a outra posição, mas que poderia ser usada contra eles: a acusação de falácia genética. Não vejo nenhuma evidência de que eles não fizeram uma crítica total à razão e muitas de que eles assim o fizeram, a começar pelo prefácio de anos mais tarde, onde eles reconhecem o caráter aporético da crítica e dizem que o momento histórico pedia aquele tipo de movimento teórico.
ResponderExcluirBom, então vou ter que suspender uns juízos sobre o que o Adorno pensa.
ResponderExcluirAbraço!