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terça-feira, 16 de abril de 2019
"Não julgueis para não serdes julgado."
A frase do título normalmente é atribuída a Jesus. Ela é uma frase do modo imperativo. Ou seja, ela expressa uma ordem ou norma que aquele que a profere espera que cumpramos ou sigamos. Ela parece supor que julgar é, de alguma forma, um mal e, portanto, moralmente errado. Não devemos julgar, se não queremos ser julgados, poderíamos parafrasear. Se não houvesse nada de errado em ser julgado pelos outros, então por que eu acharia errado julgar os outros? Isso está de acordo com o uso que geralmente se faz dessa frase: para chamar à atenção daquele que está julgando que ele está fazendo algo errado. Diz-se cosias como "Olhe o que você está fazendo! Está me julgando!" Mas o que há de mal em julgar e ser julgado? O que é julgar? No seu sentido mais amplo, o verbo "julgar" indica a ação de formar um juízo sobre algo, onde juízo consiste em tomar uma certa proposição como verdadeira. Por exemplo: ao julgar que o atual presidente da república é o pior em toda história do Brasil, eu tomo como verdadeira a proposição "O atual presidente do Brasil é o pior em toda história desse país". Nesse sentido, juízo é o mesmo que crença. Formar um juízo é adquirir uma crença. Mas na frase do título parece que "julgar" não tem esse sentido amplo, mas um mais específico. Trata-se dos juízos que podemos fazer sobre as ações das pessoas. De acordo com isso, a frase poderia ser parafraseada assim: "Não julgueis as ações alheias para que as suas não sejam julgadas." Mas o que há de errado em julgar as ações alheias?
Se a interpretação da frase do título apresentada acima está correta, imaginemos que todos sigam a norma que ela expressa. Qual seria a consequência? Não havendo nenhum juízo sobre as ações das pessoas, não haveria nenhuma avaliação dessas ações, pois tais juízos seriam o resultado dessa avaliação. Logo, ninguém seria recompensado ou punindo por fazer o que faz. Logo, a responsabilização moral desapareceria, pois responsabilizar alguém moralmente é atribuir a alguém a autoria de uma ação moralmente boa ou moralmente má. As pessoas continuariam a agir, mas suas ações não seriam mais avaliadas do ponto de vista moral. Como Strawson, creio que essa situação é psicologicamente impossível. Mas, além disso, creio que ela é moralmente indesejável. Um agente moral bom quer que o bem se realize e que o mal não se realize, no que se refere às ações de todos, não apenas de si. Mas para que isso ocorra, as pessoas devem ser moralmente responsabilizadas por suas ações, recebendo recompensas e punições pelo que fazem. Portanto, abster-se de julgar as ações alheias é incompatível com ser um agente moral bom. Por fim, o uso corriqueiro que se faz dessa frase contém uma contradição performativa: usa-se ela baseando-se em um ato de julgar a ação de julgar.
Talvez essa interpretação literal da frase do título esteja errada. O que se segue no contexto em que a frase é escrita na Bíblia sugere uma outra interpretação: "porque com o juízo que julgardes os outros, sereis julgados; e com a medida com que medirdes, vos medirão também a vós." Isso sugere que o problema não está no juízo em si, mas no modo como é feito: se você julgar mal (de forma errada), você será mal julgado. De acordo com essa interpretação, a frase do título poderia ser parafraseada assim: "Não julgueis mal a ação das pessoas, para que vossas ações não sejam mal julgadas." Se essa interpretação está correta, a má fama do ato de julgar que acompanha o uso corriqueiro da frase do título se baseia em uma má interpretação dessa frase, interpretação literal. Julgar as ações dos outros não é algo intrinsecamente errado. Tudo depende de como esse juízo é feito. Seja como for, ainda resta uma dificuldade: por mais caridosos que sejamos com o autor da frase, fica difícil aceitar que minha inabilidade para julgar bem as ações dos outros implique que os outros serão igualmente inábeis para julgar bem minhas ações. Mas isso parece ser fortemente sugerido, para dizer o mínimo, pela frase interpretada desse último modo. Todavia, frequentemente pessoas hábeis para julgar bem os outros são mal julgadas por pessoas inábeis para isso, e vice-versa.
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