Na geometria euclidiana, essa é uma verdade sobre todos os triângulos e, portanto, sobre todas as coisas triangulares. |
Há quem conceba o problema dos universais como um problema essencialmente metafísico sobre a existência e natureza dos universais, que tem relação com alguns problemas lógico-lingüísticos, mas não é, ele próprio, um problema lógico-lingüístico. As tentativas de formular o problema de forma lógico-lingüística geralmente são vistas por esses metafísicos como resquícios de uma fase da filosofia analítica que, segundo eles, está morta e enterrada, em que se acreditava que os problemas filosóficos eram problemas lógico-lingüísticos.
Mas como podemos formular o problema de forma puramente metafísica? Como explicar o que são universais de maneira puramente metafísica? Universais geralmente são apresentados em oposição a particulares. A pergunta agora é: como explicar o que são particulares de uma forma puramente metafísica? Uma maneira comum de se fazer isso é dizendo que universais são aspectos comuns de particulares, que não são aspectos de nada. Por exemplo: duas porções particulares de neve possuem ao menos um aspecto comum, a saber, a brancura. O problema sobre a existência dos universais então consiste na pergunta sobre se particulares tem aspectos comuns? Não é óbvio que eles os têm? Quem negaria isso? Alguém poderia dizer que ao menos os nominalistas o negam, dado que negam a existência de universais. Seja o que for que os nominalistas defendam, eles negam que duas porções particulares de neve possam ser ambas brancas? Como formular o problema dos universais de uma maneira que os nominalistas não pareçam de saída loucos, que negam o que é obviamente verdadeiro?
Alguém poderia dizer, ainda na tentativa de formular o problema de maneira puramente metafísica, que os nominalistas não negam que que duas porções particulares de neve possam ser ambas brancas, mas apenas defendem que, para que isso seja o caso, não é necessário que haja nada no mundo exceto particulares. Mas se os universais são introduzidos no problema como os aspectos comuns dos particulares, como podem os nominalistas negarem a existência de universais e admitirem que particulares podem ter aspectos comuns sem se contradizerem?[1] Universais deveriam ser introduzidos no problema de outra forma, para que nominalistas não parecessem estar se contradizendo ao sustentarem sua tese metafísica negativa e aceitarem essas obviedades. Mas como fazer isso de maneira puramente metafísica?
Creio que a melhor maneira de evitar esse tipo de dificuldade é oferecendo uma formulação lógico-lingüística do problema dos universais. A resistência a esse tipo de formulação advém da ilusão de que aceitá-la implicaria rejeitar de antemão qualquer solução metafísica para o problema. "Eu quero fazer metafísica, não filosofia da linguagem!", pensam os metafísicos alérgicos a esse tipo de formulação dos problemas filosóficos. Todavia, creio que a formulação lógico-lingüística do problema é totalmente neutra com relação ao tipo de solução para ele, pela boa razão que no espaço lógico das possíveis soluções para problemas lógico-lingüísticos estão aquelas baseadas em teorias metafísicas.
Mas como seria a formulação lógico-lingüística do problema dos universais de que falo? Primeiro temos que reconhecer os fatos lingüísticos pré-teóricos o menos controversos possível (aceitos por todas as posições do debate) dos quais devemos partir, a saber: usamos (temos um uso para) frases como "Isto é branco" e "Aquilo é branco" (onde "isto" e "aquilo" referem-se a diferentes porções de neve e "branco" é usado inequivocamente), as compreendemos, não temos dificuldades para admitir que podem ser ambas verdadeiras e com frequência sabemos se são verdadeiras. A partir desses fatos, podemos perguntar: 1. Quais são as condições para se compreender frases desse tipo? 2. Quais são as condições para que frases desse tipo sejam verdadeiras? 3. Quais são as condições para que frases desse tipos sejam conhecidas como verdadeiras? Embora seja uma formulação lógico-lingüística, focada principalmente em propriedades semânticas de certos tipos de de frase, mas também nas suas propriedades epistemológicas, nada nessa formulação exclui respostas que se baseiem em teorias metafísicas sobre a existência e natureza de certos tipos de entidades. Sua vantagem é formular o problema a partir de fatos pouco controversos, se tanto, de tal forma que nenhuma das posições envolvidas no debate pareça de saída implausível. Realistas, conceitualistas e nominalistas podem, então, avançar suas teses e argumentos em condições iniciais mais ou menos iguais. Agora o nominalista não parece mais implausível de saída, pois o problema não foi formulado de tal forma que ele pareça estar negando que duas porções neve possam ter um aspecto comum, pois isso agora significa que ele não nega que frases como "Isto é branco" e "Aquilo é branco" (onde "isto" e "aquilo" referem-se a diferentes porções de neve) possam ser ambas verdadeiras sem que o predicado "é branco" esteja sendo usado equivocamente.
Essa formulação do problema tem a vantagem também de identificar a sua gênese pré-filosófica, ou seja, aquele fenômeno pré-filosoficamente reconhecido, reconhecido por todos os que lidam com o problema e que entra na sua formulação como o universal indisputável: os predicados têm um uso universal que os nomes não têm e nos permite ter conhecimento dos particulares e conhecimentos gerais.
Acho que esse caso mostra ago mais geral sobre a natureza dos problemas filosóficos. Mas esse é assunto para uma outra ocasião.
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[1] Aqui estou supondo que dada a lógica da nossa linguagem ordinária, de "a é F" e "b é F" podemos inferir validamente "a e b têm um aspecto em comum, a saber, F". Também estou supondo que a aceitação da validade dessa inferência é neutra com relação às soluções para o problema dos universais.
olá, Alexandre,
ResponderExcluirpenso que seja interessante a sua maneira de colocar o problema. No entanto, parece-me a melhor formulação para este problema é a de que, na verdade, não há problema nenhum. Quando se coloca a metafísica em primeiro lugar, o problema dos universais torna-se simplesmente um pseudo problema. Pois, o fato de a e b serem ambos F pode ser explicado simplesmente pelo fato de 'a ser F' e 'b ser F', e nada mais. É um fato objetivo do mundo que não demanda maiores explicações. Toda a confusão tem início quando se procura obter conclusões metafísicas a partir da questão semântica: a e b tem a mesma propriedade F-idade?
Ainda assim, acredito que a formulação do Armstrong possa ser considerada a mais neutra possível. Ele formula o problema assim: “o que distingue uma classe de espécimes que delimita um tipo, das classes de espécimes que não delimitam um tipo?”. Para ele, as classes do primeiro tipo são classes de Universais e enquanto as outras não são.
Mesmo que o problema seja um pseudo-problema, que precisa ser dissolvido, em vez de resolvido, ele precisa de uma formulação. É isso que discuto nesse texto. Não estou seguro de ter entendido a formulação do Armstrong que vc apresenteou. Ademais, vc não ofereceu nenhuma razão para pensar que ela é melhor que a minha.
ExcluirRenato,
Excluirposso estar enganado, mas o problema não é se "a e b são ambos F" pode ou não ser explicado pela conjunção entre "a é F" e "b é F" -- duvido muito que haja alguém no debate que discorde disso. O problema é se é logicamente coerente assumir que "a e b são ambos F" sem se comprometer com a tese de que há algo em comum entre a e b, a saber, F. Decidir se essa comunidade exerce algum papel explicativo ou é mero resíduo lógico de outras teses não me parece ser tão essencial assim ao problema.
Esse tipo de objeção ao problema é típica do chamado nominalismo de avestruz. Penso que como muitos outros tipos de nominalismo ele extrapola o escopo da navalha. A navalha serve para cortar o que satisfaz pelo menos duas condições: (i) não é necessário para explicar um fenômeno; (ii) não é consequência lógica daquilo que exerce papel explicativo. Os nominalistas focam a atenção muito em (i) e esquecem de (ii).
Abraço,
Vitor
Alexandre,
Excluirpenso que a formulação do Armstrong pode ser ilustrada do seguinte modo. Suponha um grupo A constituído por um parafuso, um lagarto e um átomo. Agora suponha um grupo B constituído por todos os cavalos do mundo e somente eles. De acordo com o Armstrong o grupo A não constitui um tipo, enquanto o grupo B constitui. Uma solução ao problema dos universais buscaria, então, identificar o fundamento dessa diferença.
Abraço,
Vitor