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segunda-feira, 20 de julho de 2015

Sobre o valor de uma forma de arte

Trecho da partitura do Requiem, de Mozart

Uma tese muito difundida é aquela segundo o qual os juízos estéticos não possuem nenhuma justificação objetiva. Disso costuma-se concluir que não há qualquer razão objetiva para se pensar que uma forma de arte seja melhor que outra. Uma canção de roda como atirei o pau no gato não seria pior do que o Requiem de Mozart, por exemplo. Eu não quero discutir essa tese e essas conclusões. Quero apenas discutir uma possível motivação que alguns têm para nutrir simpatia por essa tese. É uma motivação análoga a que alguns têm para atacar a tese de que a verdade é absoluta.

Alguns acreditam que a tese de que a verdade é absoluta gera intolerância. Em primeiro lugar, uma tese não é falsa porque ela tem alguma consequência moral indesejada, se tiver. Não podemos decidir questões em epistemologia, metafísica e semântica com base em uma agenda ética. Em segundo lugar, é falso que a tese que a verdade é absoluta gera intolerância. As fontes da intolerância são outras e eu as discuto em outra postagem.

Alguns daqueles que defendem a tese que os juízos estéticos não possuem nenhuma justificação objetiva e que, portanto, nenhuma arte é melhor ou pior do que outra, assim o fazem porque acreditam que esse é o único meio de evitar o elitismo estético, a tendência a privilegiar a forma de arte que se acredita ser superior e de desprezar a forma de arte que se acredita ser inferior. A única forma de se combater esse elitismo e garantir a valorização de toda forma de arte, pensam, é atacando a tese de que nossos juízos estéticos tenham alguma justificação objetiva. E a razão de quererem garantir que toda forma de arte tem valor geralmente é o fato de que muitas formas de arte desprezadas pelo elitista têm um papel psicológico, social e econômico muito importante para certos grupos sociais oprimidos.

Creio que essa motivação está baseada em mais de um erro. Um deles é, novamente, a suposição de que as supostas consequências morais indesejadas de uma tese indicam que ela é falsa. Outro erro é justamente a suposição de que a tese que os juízos estéticos têm justificação objetiva implica o elitismo estético, tal como definido acima. Quero deixar claro que eu acho o elitismo estético um erro. Mas minha razão para pensar isso é de ordem moral, não estética.

Vamos supor, para efeitos de argumento, que nossos juízos estéticos tenham justificação objetiva e que haja formas de arte que sejam esteticamente superiores em relação a outras. Não estou defendendo isso aqui. Estou defendendo apenas que dessa suposição não se segue o elitismo estético. Por que? Porque a valorização de uma forma de arte não necessita nem deve ser apenas estética. Ela pode ter valor por outras qualidades: seus efeitos psicológicos, seus efeitos sociais, seus efeitos econômicos, etc. Quem defende o elitismo estético com base apenas em juízos estéticos comete o mesmo erro: não ver que uma forma de arte pode ser muito útil em vários aspectos, mesmo que seja esteticamente inferior, na suposição de que seja. O elitista está errado porque nenhuma forma de arte deve ser privilegiada ou desprezada apenas com base em critérios estéticos, independentemente de se seus juízos estéticos sobre o que é melhor ou pior forma de arte têm ou não têm justificação objetiva. Avaliar o valor da arte apenas com base em critérios estéticos é como avaliar o valor de uma pesquisa científica com base apenas em critérios cognitivos. Há pesquisas científicas que são moralmente questionáveis, mesmo que seu valor cognitivo seja grande!

2 comentários:

  1. "... o atirei o pau no gato não seria pior do que o Requiem de Mozart." Claro que não, são músicas com focos diferentes, para contextos diferentes. Uma não pode substituir a outra.
    Que importa se o valor moral de uma pesquisa científica seja questionável? Nesse caso, o valor que importa [e o científico, o cognitivo. Cada um no seu cada qual.

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    Respostas
    1. Claro que o valor moral de uma pesquisa importa. Ou você não vê nada de errado naquilo que Josef Menguele fazia na Alemanha nazista? Não importa se as duas músicas foram feitas para propósitos distintos, importa é se têm o mesmo nível de excelência estética.

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