Translate

terça-feira, 9 de junho de 2015

Quantidade e qualidade no ensino superior

Cena do filme Detachment
(Imagem sugerida por Edy)
É claro que uma variedade grande de opções de disciplinas e atividades (seminários, palestras, colóquios, mini-cursos, grupos de estudo, etc.) que um curso universitário oferece torna mais fácil flexibilizar os conteúdos na formação superior, tornando mais fácil o aluno moldar a sua formação conforme seus interesses particulares. Não vejo o que haja para discutir sobre isso. Mas eu tenho percebido em boa parte de docente e discentes (de filosofia no Brasil) uma forte tendência a privilegiar a quantidade de atividades e disciplinas, em detrimento da qualidade com que são realizadas, tanto pelos docentes como pelos discentes. Muitas vezes, o aumento da quantidade é buscada justamente em função da baixa qualidade de ao menos parte do que já está disponível. Isso vai criando uma mentalidade que vai na direção do seguinte pensamento: uma boa formação se dá quando leio muitos livros, vou a muitos eventos, sei várias línguas, participo de vários grupos de estudo, etc. Se o aluno fizer tudo isso com qualidade, então, sim, é claro ele vai ter uma ótima formação. Mas qual qualidade? É uma qualidade que não se adquire simplesmente se expondo a conteúdos, lendo, ouvindo, etc. Ela exige que o aluno faça algo, a saber: pensar criteriosamente sobre o que lê e ouve e exercitar esse pensamento escrevendo de modo também criterioso, com a ajuda de críticas que ele aprende a ouvir e usar para melhorar seu trabalho.

O privilégio da quantidade em detrimento da qualidade vai fomentando uma mentalidade enciclopedista, em que a erudição é confundida com inteligência. Mas, no limite, se um aluno estudar com qualidade, exercitando sua capacidade de pensar criteriosamente, mesmo que se forme com base em um currículo pouco variegado, mas mínimo, essa pouca quantidade não vai ser problema signiticativo. A internet está repleta de conteúdo de muito boa qualidade* (embora cheia de coisas de péssima qualidade tb)! São livros, artigos, palestras, video-aulas, entrevistas, cursos de línguas, etc. É claro que a possibilidade de interagir com as pessoas em palestras e outros eventos, fazendo perguntas, por exemplo, é uma diferencial dessas atividades presenciais. Mas, em primeiro lugar, qual a percentagem dos que fazem isso? Muitíssimo pequena! Em segundo lugar, poder interagir dessa forma é a cereja no bolo, não a atividade fim na formação. No limite, se o conteúdo já disponível na internet e o pouco oferecido por um currículo pequeno fossem bem aproveitados, não ter essa interação não seria um problema significativo na formação.

Essa não é uma nota contra a quantidade, mas contra o privilégio da quantidade em detrimento da qualidade. Meu ponto é: essa ânsia por quantidade não seria tão grande se a qualidade fosse melhor.

_________

* Criei um blog que dá mais substância a essa afirmação: Guia do Filósofo Aprendiz na Internet.

Nenhum comentário:

Postar um comentário