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sexta-feira, 25 de outubro de 2013

Direitos dos animais, fins e meios

Eis os links para baixar uma cópia da tradução portuguesa e do original em inglês do livro que desencadeou a discussão sobre os direitos dos animais na filosofia contemporânea. Muita água passou embaixo da ponte depois disso. Mas esse já é o locus classicus da discussão.

Você pode muito bem ignorar essa discussão e seguir pensando e agindo como quer, seja porque não quer abrir mão do prazer de comer carne, seja porque quer defender a ciência que, em favor de nós humanos, trata os animais como meras coisas, seja porque, afinal, jaqueta de couro é massa! Você pode dar de ombros e achar que essa conversa de direitos dos animais é coisa de radicais que não têm mais nada o que fazer. Você pode se esconder atrás das muitas falácias contra o veganismo que boa parte das pessoas formula só pra aliviar o peso na consciência que a suspeita de estarem fazendo algo errado e a preguiça de refletir causam. Mas você também pode escolher não varrer uma discussão moral pra baixo do tapete, parar e pensar sobre se seus hábitos alimentares e seu consumo de produtos da indústria farmacêutica, cosmética e de vestuário são justificáveis diante de muitas elaboradas críticas a eles. Você quem sabe se uma vida sem reflexão merece ou não ser vivida (adaptando uma frase de Sócrates).

Essa reflexão pode começar pela constatação de que, na recente discussão sobre os experimentos com animais, a maior parte dos que defendem os experimentos o fazem por meio de uma falácia: concluir que um meio para um certo fim é bom do fato de ser o único meio e o fim ser bom. Mas, dizer que um meio é o único meio de obter um fim bom por si só não o justifica. O argumento a partir dos fins teria a seguinte forma:

1. Se F é um fim bom e M é o único meio para atingir F, então M é bom.
2. F é um fim bom.
3. M é o único meio para atingir F.
4. Logo, M é bom.

Essa é uma forma válida de inferência. É um modus ponens. Aplicado ao caso dos experimentos com animais, ficaria assim:

1a. Se curar as doenças D é um fim bom e os experimentos com os animais são o único meio para curar as doenças D, então os experimentos com os animais são bons.
2a. Curar as doenças D é um fim bom.
3a. Os experimentos com os animais são o único meio para curar as doenças D.
4a. Logo, os experimentos com os animais são bons.

Mas para ver que a premissa 1a é falsa, veja o seguinte argumento (suponha que a premissa 3b é verdadeira):

1b. Se curar as doenças D é um fim bom e matar bebês é o único meio para curar as doenças D, então matar bebês é bom.
2b. Curar as doenças D é um fim bom.
3b. Matar bebês é o único meio para curar as doenças D.
4b. Logo, matar bebês é bom.

Se as premissas 2b e 3b são verdadeiras, o argumento é válido e a conclusão é falsa, então a premissa 1b deve ser falsa. É falsa porque a bondade do fim não implica a bondade do meio. Logo, o argumento 1a-4a não é cogente porque a premissa 1a é falsa.

Disso tudo se segue que é inútil apelar para o fim dos experimentos com animais para justificá-los. Essa justificação, se existe (o que eu não acredito), tem de ser procurada em outro lugar.

Abandonada essa linha de argumentação, o que temos que discutir é a tese na qual os defensores do uso de animais como coisas baseiam suas práticas: o especismo, a tese que os animais humanos têm direitos e privilégios morais que os animais não-humanos não têm.


Leituras

Peter Singer, Libertação Animal
Lori Gruen, The Moral Status of Animals

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