Um dos piores males que conheço, um dos que mais causam sofrimento, é o fanatismo, essa paixão exagerada e cega por certas crenças, sejam elas justificadas, sejam elas injustificadas.
Fanatismo por uma crença justificada? Sim, isso mesmo. Isso acontece quando duas condições são satisfeitas. A primeira é quando aquele que crê ter uma justificação para sua crença passa a acreditar, dogmaticamente, que sua justificação é tão boa que não pode haver nada que a solape. Ele então passa a ter a seguinte atitude: trata todo aquele que tenta oferecer razões para duvidar daquela crença como alguém ou pouco inteligente, ou mal-intencionado, ou... fanático.
A outra condição do fanatismo por uma crença justificada é o sentimento de uma necessidade de se combater quem pensa de modo diferente, como se isso, por si só, fosse um mal intolerável. O que se segue da satisfação dessas duas condições é a seguinte atitude em relação a quem pensa de modo diferente: uma indisposição incondicional para o diálogo entre equipolentes em busca da verdade e a necessidade de mostrar, com o furor semelhante ao do fanatismo religioso, os erros desse interlocutor. A verdade já foi revelada, não por uma divindade, mas pela razão. E se ela está do nosso lado, pensa o fanático, não devemos tolerar alguém que tente nos afastar da sua companhia, pois esse só pode estar tentando isso por meios irracionais. Quem pensa diferentemente é um inimigo do bem e/ou da razão. Um fanático desse tipo geralmente é agressivo, zombeteiro, faz troça do interlocutor, o acusa de agir de má-fé, é incapaz de admitir que cometeu qualquer erro substancial numa discussão, pois isso seria "mostrar fraqueza ao inimigo", e é incapaz de admitir qualquer acerto substancial do seu inimigo numa discussão, pois isso seria reconhecer a sua força.
O mais impressionante é que fanáticos por uma crença justificada podem ser tanto teístas quanto ateus. Alguns teístas acreditam que possuem uma justificação racional para sua crença religiosa e são fanáticos com relação a isso. E alguns ateus acreditam que possuem uma justificação racional para seu ateísmo e são igualmente fanáticos em relação a isso. Ambos são igualmente insuportáveis e estão igualmente errados no seu fanatismo.
Se há mesmo o fanatismo por uma crença justificada, então o dogmatismo e a justificação podem, em algum grau, coexistir na mesma pessoa. Pode-se ter uma atitude dogmática em relação à solidez de uma justificação, acreditando-se que ela é absolutamente inabalável.
Eros de Carvalho oferece aqui uma boa explicação de uma das principais causas desse tipo de fanatismo: a carência do absoluto.
Caro Alexandre,
ResponderExcluirAchei este seu texto muito interessante e merecedor de alguma discussão. Concordo apenas parcialmente com o que diz, pelo que decidi responder ao seu texto com um outro publicado no blog da Crítica.
Espero que não leve a mal a liberdade de, por vezes, me referir a si simplesmente por "o Alexandre", apesar de nem sequer o conhecer pessoalmente.
Parabéns e obrigado pelo este seu blog.
Caro Aires: Obrigado pelo teu comentário. Não tem problema me chamares de Alexandre. Respondi à tua postagem lá no blog da Crítica mesmo.
ResponderExcluirQue bom que tenhas gostado do meu blog. Volte sempre! Um abraço.
brilhante o texto e o blog em geral. Adicionei aos meus favoritos, pois assim posso me alimentar de idéias salutares. Obrigado Alexandre
ResponderExcluirBlog de um brasileiro: Obrigado pelo comentário. Volte sempre.
ResponderExcluirAntónio: Obrigado pelo comentário. Volte sempre.
ResponderExcluirLembrei de Lévi-Strauss na relação simbólica da crença no chamã, se não me engano quando fala "sobre o feiticeiro e sua magia". Mostra que a na crença há uma tríade que se preenche, que é: a crença do chamã no poder da cura, a crença do povo de que a cura é real e a relação esperada de um para com o outro que sela o ato da cura como verdadeiro.
ResponderExcluirabraços.
link: http://www.scribd.com/doc/7301579/Claude-LeviStrauss-O-Feiticeiro-e-Sua-Magia
Kelson: Obrigado pelo comentário. Mas não sei se entendi a relação entre o que disseste e minh postagem.
ResponderExcluirDesculpe se não o fiz me entender, meu interesse foi apenas ressaltar que Lévy-Strauss aponta o "fanatismo", ou a crença fiel(ou exagerada), justificada ou não, pela triade na relação simbólica daquele que faz a cura e é curado, e daqueles que se envolvem no processo citado pelo livro. Não sei se isto possui qualquer valor filosófico, e quis apenas ressaltar o que me veio a cabeça.
ResponderExcluirObrigado pela atenção e abraços.
Parabéns pelo blog e pelo texto, e concordo com Antonio Parente, merece ser amplamente divulgado.
ResponderExcluirMuito obrigado, Lucas. Volte sempre.
ResponderExcluir"A verdade já foi revelada, não por uma divindade, mas pela razão", acontece que os fanáticos usam esta proposição para defenderem a sua crença, e os não-fanáticos usam-na para poder julgar os outros de fanáticos. O uso da razão, na minha opinião, é visto como algo que serve de justificação às nossas acções e portanto à nossa consciência, acontece que a verdade, a razão foram conceitos, ideias criadas pelo homem para iludi-lo, no sentido em que há necessidade de criar uma justificação para o que não é entendido. A lógica é uma ferramenta importante para a veracidade de um raciocínio, mas não para a verdade do mesmo. Logo, tudo aquilo que pode ser concebido na mente do homem pode ter veracidade, e até ser uma verdade para o indivíduo em questão, mas não é Verdade porque é concebido na mente humana, sendo limitado, em consequência a Verdade não é criada no plano mental. Agora pergunto há alguma ideia justificada Verdadeiramente? Não seremos todos uns fanáticos da razão e do entendimento dito racional? Para terminar, a Verdade tem características semelhantes à consciência pois ambas não são concebidas pela mente humana, pois não se podem pensar nem como sendo nem como não-sendo. (O ser para ser tem que não-ser; O não-ser para não-ser tem que ser).
ResponderExcluir