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quinta-feira, 13 de setembro de 2007

Evans: sobre Frege e os Scheingedanken


Gareth Evans (e John McDowell), em The Varieties of Reference e "Understanding Demonstratives", sustentou que na filosofia da linguagem do Frege maduro, e não apenas naquela contida na Begriffsschrift e em "Função e Conceito", havia espaço para proposições (pensamentos) dependentes de objetos (ou proposições russellianas, como algumas vezes são chamadas). Evans tem uma série de argumentos para apoiar essa interpretação. Heimir Geirsson, em um excelente artigo, "Frege and Object Dependent Propositions" (2002, Dialectica, vol. 56, n°4, pp. 299-314), procura mostrar que os argumentos de Evans não justificam sua interpretação e que essa interpretação está em franca contradição com algumas passagens dos escritos de Frege.

Uma proposição dependente de um objeto (PDO) é uma que não poderia existir se esse objeto não existisse. Esse é o caso de proposições cuja expressão envolve um nome próprio. A frase "Lula é o atual presidente do Brasil" expressa uma proposição sobre Lula. Alguns sustentam que essa proposição não existiria se Lula nunca tivesse existido. Portanto, segundo esses, essa é uma PDO. A frase "Guilherme Tell era um excelente arqueiro", por outro lado, segundo esses autores, não expressa uma proposição, pois "Guilherme Tell" é uma expressão vazia, não nomeia coisa alguma, pois Guilherme Tell nunca existiu. Essa frase, portanto, não expressa nada verdadeiro ou falso. (É claro que, dessa perspectiva, é problemático dizer que "Guilherme Tell" não nomeia nada porque Guilherme Tell nunca existiu. Se "Guilherme Tell era um excelente arqueiro" não expressa uma proposição porque "Guilherme Tell" não nomeia nada, então o mesmo acontece com "Guilherme Tell nunca existiu".) Segundo Evans, contrariamente à interpretação tradicional de Frege, a introdução da distinção entre sentido e referência por parte de Frege não permitiu que ele abandonasse a crença que uma frase que contém um nome próprio (excluindo-se ai os contextos intensionais) expressa uma PDO, quando expressa alguma proposição, e que não expressa nenhuma proposição quando o referido nome é vazio. Os argumentos de Evans se baseiam em boa medida no principio de caridade. Todavia, eu tendo a concordar com as objeções de Geirsson, principalmente quando ele aponta para a dificuldade de se conciliar a interpretação de Evans com o que Frege diz explicitamente em algumas passagens. Sendo assim, creio que um Scheingedanke, para Frege, não é um pseudo-pensamento, mas um pensamento defeituoso, sem valor de verdade.

Foto: Gareth Evans

4 comentários:

  1. Oi Alexandre! Voc� tem ou sabe onde posso conseguir o artigo do Heimir Geirsson?

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  2. Rogério, enviei um email com o artigo para ti. Abração.

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  3. O Giovani me enviou um excelente comentário sobre esse post. Acho que o lugar dele é aqui.
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    Existe um outro artigo interessante que pretende ter devastado a interpretação que Evans e McDowell oferecem de Frege. David Bell, em “How Russellian was Frege?”(Mind, 99, 1990), com a precisão de todo exegeta – bem entendido, exegeta de Frege – acusa Evans, entre outras coisas, de anacronismo, de ter cometido não somente ‘suggestio falsi, mas também distortio veri’, etc. Bem apoiado no seu amplo conhecimento de Frege, Bell pretende ter demolido cada uma das mais importantes alegações que Evans faz naquela parte de The Varieties of Reference que chama – e o que talvez tenha sido uma das suas infelicidades -- “Historical Preliminaries”. Mais recentemente, McDowell foi a forra e, em minha opinião, com argumentos bem convincentes. (Obviamente, ele não visa apenas ir à forra contra Bell...) O artigo do McDowell, “Evans’s Frege”, está na coletânea editada por José Luis Bermudez, Thought, Reference, and Experience – Themes from the Philosophy of Gareth Evans (Oxford: Clarendon Press, 2005). O fato é que Bell é um dos grandes exegetas de Frege, mas, perdoe a veemência, parece não ter entendido nada ou quase nada do que Evans pretendia, e tampouco o leu com a devida caridade. Álias, o McDowell mesmo reconhece deficiências na reconstrução do Evans, sem deixar de reconhecer, entretanto, que Evans estava ciente (e como não poderia?) das preocupações de Frege com frases usadas em ‘raciocínios dirigidos para a obtenção de conhecimento’(p.64). Todavia, o essencial de Evans, segundo McDowell (e eu concordo) torna Frege um pensador cujos insights seriam difíceis de serem superestimados. McDowell diz: ‘Evans’s Frege enables a synthesis between acknowledging that contextual relations between subjects and objects matter for determining the contents of thoughts, on the on hand, and giving full weight to the idea that thinkig is a exercise of rationality, on the other. This can be seen as a substantial contribution to a project that goes back at least to Kant, and that is beset with difficulties in the intellectual environment of modern philosophy: integrating our rational powers with our natural situatedness in the world.’(p.65) Por fim , a nota 33 do artigo do Mcdowell reforça a posição dele e do Evans contra uma leitura como a que é feita por ti ao final da tua postagem. ‘But, against both Bell and Sainsbury, it seems plain that the force of the prefix Schein is something like "(merely) apparent".’(p.63)

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  4. Giovani, tuas observações são evidentemente muito relevantes. Mas como um comentário preliminar, o que tenho a dizer é algo cujo espírito anima minhas críticas aos revisionistas do Tractatus de Wittgenstein. Trata-se de algo que tu bem sabes: uma interpretação que apresenta um filósofo de modo mais interessante pode muito bem ser, infelizmente, uma interpretação errada e uma interpretação não pode estar errada apenas porque atribui teses problemáticas (da nossa perspectiva) ao filósofo interpretado.

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