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quarta-feira, 28 de maio de 2014

Purismo moral

Na postagem Bem em si e o bem que podemos realizar, defendo que há ao menos dois tipos de juízo moral: um em que se escolhe valores, bens em si, e um em que se julga deliberadamente o que é melhor fazer em uma certa circunstância, o que é o bem nessa circunstância. No final eu defino o que chamei de rigorismo moral como aquela posição que defende que realizar o bem é realizar sempre o que é em si mesmo um bem, de tal forma que realizar algo que é em si mesmo um mal não é nunca realizar o bem. Mas, seguindo a sugestão do meu amigo Eros Carvalho, vou chamar isso de purismo moral, na medida em que coloca como objetivo da ação moral realizar apenas o que é um bem em si, purificando a ação de qualquer mal em si. De acordo com o purismo moral, realizar o menor dos males, mesmo quando isso parece ser o melhor a ser feito em uma circunstância, não é realizar o bem. O melhor a ser feito em qualquer circunstância nunca pode ser, segundo o purista, um mal em si. Qualquer ação, se o purismo está correto, é melhor que um mal em si.

Por exemplo: suponhamos que em uma determinada circunstância a única maneira de salvar a vida de uma pessoa boa que está sendo ameaçada por outra que a quer roubar é matando essa outra. Um purista que acredite que matar é um mal em si não matará essa outra pessoa, pois julgará que é errado matar em qualquer circunstância, justamente porque é um mal em si. Mas na situação em que a única maneira de salvar a vida de uma pessoa boa que está sendo ameaçada por outra que a quer roubar é matando essa outra, não matá-la implica não salvar a vida da pessoa ameaçada. A pessoa homicida e ladra continuará viva e sua vítima, uma pessoa boa, morrerá. O purista pode dizer: se ele matar, estará fazendo algo que é tão mau quanto o que o homicida quer fazer. Mas isso somente seria o caso se a bondade ou maldade de uma ação não dependesse das intenções dos agentes e das consequências relativas às circunstâncias em que a ação é realizada. O homicida não apenas quer matar uma pessoa, mas quer matar uma boa pessoa. Contrariamente, aquele que o mata para salvar a vida da boa pessoa não apenas gostaria de não ter que matar ninguém, mas não gostaria de matar uma pessoa boa, como o homicida. Além disso, ele mata para salvar uma vida, não para roubar. Se ele não matar o homicida, a pessoa boa morrerá. Isso é uma consequência de ele não matar o homicida, quer ele deseje essa consequência, quer não. Dados todos esses fatores relativos à circunstância da ação, como matar o homicida ladrão pode ser pior que deixar uma pessoa boa ser morta por ele?

O purismo moral nem sempre aparece de forma clara, explícita. Mas ele se manifesta em toda tendência a desconsiderar fatores da circunstância na deliberação sobre o que é melhor fazer nela, pois as opções de ação, boas em si, já foram determinadas a priori, como se a deliberação fosse feita de um ponto de vista da eternidade, aplicando-se um algoritmo para extrair o melhor a ser feito em cada situação.* Isso tem como resultado que muitas coisas que são males em si e poderiam ser evitados pelo purista são, na verdade, consequência do que o purista faz ou deixa de fazer, pois ele se recusa a realizar um mal em si para evitar o que é um mal em si maior. Esse tipo de atitude moral é mais fácil de ser notado em certas posições políticas. Algumas pessoas não querem abrir mão de nada do que elas acreditam ser a realização do que são bens em si, sejam quais forem as circunstâncias. Elas não estão dispostas a realizar um pouco dos seus ideais mais importantes, abrindo mão temporariamente de alguns menos importantes. Eles preferem não realizar nenhum do que realizar apenas alguns, mesmo que isso implique que o poder ficará com quem não quer realizar nenhum de seus ideais, por exemplo. Essas pessoas se dizem pessoas de princípios. E nisso estão em parte certas, porque isso é tudo o que têm. Falta-lhes a capacidade de avaliar a conjuntura para saber o que é melhor fazer. Falta-lhes o genuíno interesse de evitar que o mal se realize. Falta-lhes a capacidade para ver que o bem e o mal que se pode realizar vêm em graus, que realizar o bem é realizá-lo no grau máximo que as circunstâncias permitem. Estes são aqueles que costumo dizer que querem mudar o mundo pra melhor seguindo à risca seus princípios, nem que para isso o mundo seja destruído.

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* Agradeço ao meu amigo Giovani Felice por ler uma primeira versão desse texto e chamar minha atenção para essa conexão entre o purismo moral e a visão, digamos, algorítmica do ponto de vista da eternidade.


Um comentário:

  1. Entendi assim:voto na Dilma para que o Aécio não pegue o Governo?kkkkk(brincadeira)
    Adorei o post.Mas,no fundo no fundo a gente sempre fica meio perdido,
    Venha no meu blog.Proposta completamente diferente,mas gosto!
    Beijo

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