Translate

sexta-feira, 12 de abril de 2013

Estudar não é o mesmo que ler

The Philosopher
Abraham van der Hecken
É muito comum dizer-se que no curso de filosofia devemos ler muito, que é um curso para quem gosta de ler, e coisas semelhantes. Isso é verdade, é claro. Todavia, a ênfase que se costuma dar à leitura, principalmente para aqueles que estão iniciando seus estudos em filosofia, ofusca a importância primordial que outra atividade tem nesses estudos: a escrita. Mas por que a escrita é importante? Ela é importante por mais de uma razão.

É muito comum dizer-se coisas como: "Eu entendi, mas não sei explicar" ou "Eu sei, mas não sei dizer", como se tudo estivesse correndo bem no âmbito dos pensamentos e o problema fosse apenas uma inabilidade linguística de expressar os pensamentos de maneira clara e ordenada. Os pensamentos estariam lá, todos claros e bem ordenados. Mas na hora de colocá-los no papel, as palavras parecem fugir. Não vou dizer que um fenômeno semelhante a esse nunca ocorra. Mas na maioria esmagadora dos casos, o que ocorre é simplesmente a ilusão de entendimento. A pessoa acha que entendeu, mas de fato não entendeu.

Para se desfazer dessa ilusão, pergunte-se: como eu sei que entendi? A certeza de que entendeu não pode ser suficiente para justificar a alegação de entendimento. Que outro critério poderia haver para o entendimento se não a habilidade de explicar o que foi dito ou lido, de colocar em palavras de forma tão clara e ordenada quanto a daquele que falou ou escreveu? A escrita funciona no estudo como uma espécie de experimento ou teste para verificar o entendimento. Essa é a razão pela qual, em provas discursivas sobre problemas e teorias filosóficas, o que se pede é que se explique tais problemas e teorias, que se ponha em palavras o entendimento que se tem delas.

A ilusão de entendimento não ocorre apenas nos níveis elementares de estudo. Mesmo pós-graduados estão sujeitos a sofrerem ilusão de entendimento. Essa ilusão ocorrerá, então, num nível não elementar do trabalho filosófico, mas é o mesmo fenômeno.

O exercício da escrita também serve para que nosso modo de expressão se torne mais e mais claro, preciso, não-ambíguo, etc.

Uma razão menos importante, mas ainda assim importante, é o fato de que escrever é uma maneira de memorizar o que foi lido ou ouvido e o nosso entendimento do que foi lido ou ouvido. Memorizar coisas certamente não é tudo o que se faz ao estudar. Todavia, isso é certamente uma condição necessária para um bom estudo. Memorizar não significa aceitar de forma não crítica. Antes de criticar uma teoria ou a formulação de um problema filosófico, devemos memorizar essa teoria ou problema. Se não temos a capacidade de lembrar a teoria ou problema, como vamos ter a capacidade de critica-los?

Mas como deve ser esse exercício de escrita? Essa escrita deve expressar nosso entendimento do que foi lido ou ouvido. Mas o que tentamos entender quando lemos um texto de filosofia ou assistimos a uma aula? Um texto de filosofia é um texto em que se procura apresentar e lidar com problemas filosóficos. Boa parte desse trabalho consiste em analisar definições, teses e argumentos. Portanto, o que se deve exercitar escrevendo é a capacidade de explicar definições, teses e argumentos. Para isso às vezes é necessário ler o mesmo texto várias vezes. Se for uma exposição oral, às vezes é necessário fazer muitas perguntas. Dado que se trata de entender definições teses e argumentos, a qualidade desse entendimento vai ser proporcional à sua competência lógica.

Na busca de uma forma de expressão mais clara, precisa e não-ambígua, alguma regras bem gerais são úteis. Uma delas consistem em não multiplicar o vocabulário sem necessidade. É melhor ser repetitivo do que perder clareza em função da substituição de uma palavra por um (suposto) sinônimo apenas para evitar a repetição. Não se deve inventar novas palavras para o que já tem nome, exceto se houver uma boa razão para isso. O uso de frases curtas é sempre preferível. Frases mais longas, cheias de vírgulas e parênteses, geralmente são menos claras e o risco de se cometer erros gramaticais na sua redação é maior. Deve-se colocar a clareza sempre à frente da beleza. Um texto ideal é um texto claro e belo. Mas nem sempre isso é possível. Entre uma formulação bela e pouco clara e outra clara e feia, a última deve ser preferida. Um bom texto geralmente é resultado de muitas revisões.

Para uma leitura adicional sobre como escrever um texto filosófico, ler Como se escreve um ensaio de filosofia, de James Pryor.

3 comentários:

  1. Muito bom, adorei a indicação de livro no final, pois o texto é bilíngue assim já pude praticar o inglês, uma dúvida tens outros textos bilíngue?

    ResponderExcluir
  2. Nossa!
    Fui presenteado ao ler esse texto nesta manhã de terça -feira.
    Excelente!

    ResponderExcluir