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terça-feira, 20 de novembro de 2012

Liberdade, caos e proibições

Liberdade civil não é ausência de qualquer proibição. Isso é caos. Isso vale para a liberdade em qualquer âmbito, inclusive para a liberdade de expressão. O uso da linguagem pode destruir irremediavelmente a vida de uma pessoa ou de um grupo de pessoas por meio de mentiras ou afirmações epistemicamente irresponsáveis. É por isso que calúnia e difamação são coisas corretamente proibidas tanto moral quanto legalmente. Mas essa proibição essencial não é uma norma contra a liberdade de expressão. Pensar o contrário é um abuso do termo "liberdade", motivado pela tese absurda que a liberdade plena é a falta de proibições, sendo toda proibição uma norma contra a liberdade.

Mas eu não quero discutir sobre palavras. Se alguém quiser chamar de liberdade o que eu chamo de caos, só vejo ignorância ou ideologia como motivação pra isso. Eu então vou distinguir entre liberdade caótica e liberdade ordenada e argumentar que uma liberdade caótica é imoral, se isso não parecer óbvio. Sendo assim, é simplesmente falacioso concluir que A está querendo diminuir a liberdade de expressão (ou diminuir a liberdade de expressão ordenada) do fato que A acha que é moralmente errado dizer isso e aquilo, ou mesmo do fato que A acha que dizer isso e aquilo deveria ser legalmente proibido. Uma possível motivação para essa falácia é querer evitar discutir os argumentos em favor do juízo de valor ou da proibição. E é claro que repetir essa falácia não vai mostrar que o sujeito que comete a falácia quer argumentar.

Aqui eu não vejo outra coisa além de um caso específico desse dogma sobre a bondade da liberdade absoluta segundo o qual quanto menos proibições, mais justiça há, melhor uma sociedade é. Esse dogma também aparece em discussões sobre economia, através dos adeptos da religião do livre mercado, sempre acompanhada de uma "teodicéia" em que o livre mercado é sempre desculpado de qualquer mal no mundo.

É claro que os defensores desse dogma geral vão qualificar de modo negativo qualquer proibição ou mesmo juízo de valor negativo sobre a expressão de algum tipo de pensamento, com um termo que faça a proibição ou juízo de valor soar o mais pecaminoso possível. E o termo preferido pra isso é "censura". Para serem coerentes, os que assim pensam deveriam dizer que a proibição de calúnia e difamação também é censura. E eu posso antever que, para não perderem a justificação pra usar esse termo contra as proibições de que não gostam, vão morder a bala e usá-lo, mesmo que a contra gosto, para qualificar aquelas de que eles gostam. Ou pior: vão dizer que calúnia e difamação não deveriam ser proibidas…

9 comentários:

  1. Segundo a vertente libertária, o mal causado pela calúnia e difamação não está no falar. Está no crer. As pessoas creem na mentira e disto veem os efeitos da calúnia e difamação. Segundo esta mesma vertente, é pelo proibir que as pessoas ficam crédulas, pois uma calunia ou difamação deve ser verdade se há Leis que proibem, porque ninguem se submeteria ao risco de sofrer as sanções da Lei se aquilo que se diz não é verdade. Agora se tivessem muitas calúnias e difamações, elas não seriam tão impressionáveis. A lei portanto não garante o fim da calúnia e difamação e tem o efeito de dar mais credibilidade a elas. Quanto a liberdade, não há liberdade ordeira ou caótica. O que há é liberdade ou sua ausência. E proibir a calúnia e difamação é censura, por definição. O que existe é censura legítima e ilegítima. A ausencia completa de censura é liberdade irrestrita de opinar..
    Att
    Nildson

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  2. A declaração de que “ausência de qualquer proibição” é sinônimo de “caos” parte do pressuposto de que as pessoas não sabem ser livres. Por partirem da premissa de que as pessoas não sabem ser livres agora, concluem que as pessoas nunca podem ser livres e disto concluímos que precisaremos sempre de um Estado para restringir esta liberdade. Isto é outra fé. Substituem a religião do livre mercado, que se baseia no consumidor perfeito, pela religião do Estado perfeito. Acreditamos que burocratas controlistas saberão melhor como equacionar a economia que o próprio mercado. Assim como achamos que legisladores iluminados conduzirão a liberdade humana melhor que o próprio indivíduo. O que a prática mostra é que o Estado é tão imperfeito quanto o próprio indivíduo, a solução está na democracia na direção do Estado mínimo.

    Quão mínimo deve ser o Estado ?

    Depende da condição cultural dos indivíduos no sentido de poderem conduzir a sua liberdade sem invadir o outro. O princípio que deve embasar o Estado é que nenhum indivíduo deve restringir a liberdade do outro. Se o Estado não defende este principio e passa a invadir liberdades sem necessidade, ele abusa do poder. Se os indivíduos tiverem a educação de maneira a não invadir a liberdade do outro, pode-se dispensar o Estado. Quanto maior a educação dos indivíduos, menor deve ser o Estado.

    Quanto as Leis contra a difamação e calúnia, elas são censura sim, pois censura é qualquer restrição a liberdade de expressão. Estas manifestações são tentativas de mudarem a crença de outras pessoas, e a crença de outras pessoas não pertence à pessoa que é caluniada. Cabe as pessoas que recebem a mensagem decidir se crêem ou não na calúnia. O que temos que verificar é se uma censura é legitima ou não, se ela é necessária ou não para garantir a liberdade de todos, isto depende da educação das pessoas.

    Quanto a estas manifestações poderem destruir uma pessoa, isto também parte de outro pressuposto, a de que as pessoas não são céticas. Elas precisariam acreditar na calúnia e a partir disto tomar medidas invasivas, embasadas no preconceito, contra a liberdade de outra pessoa, para que a calúnia tenha efeito nocivo. Se uma calúnia não é levada a sério ou é desmascarada pelo ceticismo, ela não tem efeito, podendo até se reverter contra o caluniador, minando sua credibilidade.

    Novamente esbarramos na educação individual. As Leis que inibem a calúnia podem ter efeito diverso até; o individuo pode ser levado a crer que uma calúnia deve ser verdade pelo risco. Se há Lei e o cidadão falou isto, então deve ser verdade. O que vemos na prática é que as Leis que defendem da calúnia, defendem mais os políticos contra a verdade do que os outros contra a mentira.

    Quanto a outro ponto, sobre os tipos de liberdade, não existe liberdade caótica e liberdade ordenada. Liberdade é ausência completa de restrições. O caos ou ordem não parte da liberdade em si, mas da postura dos indivíduos. A ordem ou caos parte do comportamento coletivo, não da liberdade em si, e isto depende da educação individual.

    A questão da justiça como ausência de restrições, isto é fato. Uma das restrições provém do uso indevido da força tanto pelo Estado como pelo individuo contra outro. Portanto para evitar as restrições sobre os fracos, temos a Justiça estatal. Dependendo da educação, temos que ter o paradoxo de restringir para garantir que pessoas não sejam restringidas.

    Att
    Nildson de Avila

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  3. Nildson: "A declaração de que “ausência de qualquer proibição” é sinônimo de “caos” parte do pressuposto de que as pessoas não sabem ser livres." Isso é uma falácia. O que estou dizendo é apenas que ter liberdade não é pode fazer *qualquer* coisa. Há um mundo possível em que as pessoas fazem o que deve ser feito e evitam fazer o que não deve ser feito sem que seja necessário um estado. Mas esse não é o mundo atual, No mundo atual, sim, precisamos do estado. podemos caminhar na direção de uma situação em que não precisemos de estado, claro. Mas disso não se segue que agora não precisemos. Todavia, se queres mesmo chama a ausência completa de proibições de liberdade, então não vou discutir por palavras e vou argumentar que a situação moralmente desejável é que não tenhamos liberdade, ao menos não liberdade completa. Essa liberdade completa eu prefiro chamar de caótica, por razões mais do que óbvias. -- "Quanto a estas manifestações poderem destruir uma pessoa, isto também parte de outro pressuposto, a de que as pessoas não são céticas." Ora, parte do pressuposto que pessoas são persuadidas facilmente a acreditar em certas coisas falsas em certas circunstâncias, como os experimentos psicológicos bem mostram e como os especialistas em marketing bem sabem. Não vejo nenhum bom argumento para se permitir a calúnia e a difamação exceto uma crença irracional de que qualquer proibição é em si mesmo má. O que pode ocorrer é que o sistema jurídico não funcione como devia ao aplicar essa proibição. Mas isso é outra discussão.

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  4. Nildson: "Segundo a vertente libertária, o mal causado pela calúnia e difamação não está no falar. Está no crer. As pessoas creem na mentira e disto veem os efeitos da calúnia e difamação." Não vejo nenhum bom argumento para justificar essa afirmação. Em um mundo de seres racionalmente perfeitos, isso poderia, talvez, ser plausível. Mas não vivemos num tal mundo. Por isso, aquele que se serve da imperfeição racional alheia para prejudicar uma pessoa é a causa do mal.

    "é pelo proibir que as pessoas ficam crédulas, pois uma calunia ou difamação deve ser verdade se há Leis que proibem, porque ninguem se submeteria ao risco de sofrer as sanções da Lei se aquilo que se diz não é verdade." As pessoas não correm o risco de serem punidas pela lei? Elas fazem coisas contra a lei o tempo todo, inclusive mentir! Perjúrio já aconteceu em tribunais várias vezes, sabias disso?

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  5. As condições do mundo não impoe restrições na especulação filosófica. Por exemplo, imaginar como seria o mundo se todos fossem racionais ajuda a entender porque o mundo é irracional as vezes e o que pode ser feito a respeito. Quanto ao problema da liberdade irrestrita, ter liberdade é poder fazer qualquer coisa desde que não vá contra o direito de outrem.
    Por que a restrição ? Porque se eu posso contra o direito de outrem em função de qualquer fator: força, poder, etc.. a própria liberdade de outrem está sendo limitada em função de arbitrariedade minha ou das minhas condições, o que gera contraditório se defendo a liberdade independente do sujeito. Defender a liberdade impessoal e irrestrita limita logicamente a liberdade de um com a do outro. A restrição já faz parte da definição do que se defende: liberdade independente do sujeito. Agora, liberdade não gera caos, o que gera caos é incapacidade das pessoas em exercer a liberdade de modo impessoal. Elas não defendem a liberdade impessoal neste caso, mas o seu "direito" de invadir o espaço do outro. O problema não está então na liberdade e não faz sentido o termo "liberdade caótica" pois o problema está nas pessoas.

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  6. Para a calunia e difamação, as pessoas é que são crédulas, este é o verdadeiro problema. A intenção do caluniador não surgiria efeito sem a contribuição da credubilidade dos outros. E se há efeito nocivo do credo, há também outros atos vindo dos outros em função do credo: preconceito, violencia.. etc.. O exemplo classico da destruição de uma escola pela calunia, não foi o caluniador que destruiu, foi a turba e a falta de estado para garantir que a justiça seja feita que produziu o efeito: independente da culpa da escola, ninguem tem o direito de destruir e deve-se apurar antes de aplicar pena prevista em Lei. Então em tese quem está sendo violento no caso da calunia são os outros crédulos e quem deveria ser punido deveria ser a sociedade que foi cumprice violento. Portanto quem causa o mal é a sociedade que é credula e exerce a justiça em funçao dos credos sem levar em conta o contraditorio.

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  7. Quanto a capacidade das pessoas em descumprir as Leis e o perjúrio como prova de que a Lei da calúnia é compatível com a existencia da calunia. Como vc mesmo declarou, os agentes nao são racionais. A tendencia intuitiva é que se há Lei que coibe a calunia e uma pessoa está falando que um sujeito é ladrão, quanto mais severa a pena contra a calunia e quanto mais grave é a acusação, maior a tendencia de achar que deve ser verdade uma vez que se o risco é alto, a pessoa nao se arriscaria. Se nao houvesse pena para calunia, a tendencia é a suspeita, a nao ser que a pessoa é muito credula, mas ai o problema está na pessoa. "Quem fala o que quer, ouve o que não quer". Tem outra interpretação em função de tudo isto. Se vem a mente a ideia de penalização contra a pessoa que falou demais, pode-se interpretar como um dever ético: se queremos o direito de falar, temos o dever de ouvir, mesmo o que não queremos..

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  8. Para reflexão:

    http://andreafaggion.blogspot.com.br/2012/07/direito-de-ofender.html

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  9. "As condições do mundo não impoe restrições na especulação filosófica. Por exemplo, imaginar como seria o mundo se todos fossem racionais ajuda a entender porque o mundo é irracional as vezes e o que pode ser feito a respeito." E onde eu disse algo contrário? O que estou dizendo é que o que devemos ou não fazer é o que devemos ou não fazer no mundo atual, com agentes irracionais e maus!

    "Quanto ao problema da liberdade irrestrita, ter liberdade é poder fazer qualquer coisa desde que não vá contra o direito de outrem." Ou seja, fazer qualquer coisa que esteja permitida fazer! E esse é todo meu ponto, que agora admites com outras palavras.

    "Agora, liberdade não gera caos." Em nenhum momento eu disse que a liberdade gera caos. O que eu disse é que a ausência de proibições *não* é liberdade, mas caos. Eu falei de liberdade caótica apenas como uma maneira de evitar discutir sobre palavras, com quem quer chamar de liberdade a ausência de proibições.

    "Para a calunia e difamação, as pessoas é que são crédulas, este é o verdadeiro problema." De quem é a culpa no caso de estelionato? É da pessoa que acreditou na conversa do estelionatário, não é? É óbvio que não é! Quem pratica o estelionato é responsável por esse ato, e não os crédulos que caem no golpe. A credulidade é um problema, claro, mas isso não torna os crédulos responsáveis pelo estelionato, assim como não os torna responsáveis pela calúnia e difamação. Devemos tornar as pessoas mais racionais? Claro! Mas devemos também proibir a calúnia e a difamação, porque isso é simplesmente errado!

    Eu não entendi teu último comentário sobre calúnia. Se havendo punição para a calúnia há quem a faça, imagina se não houvesse!

    Teu link sobre o direito de ofender é irrelevante, pois a discussão é sobre calúnia e difamação, não sobre ofensa. Dizer que alguém é ladrão quando isso não é verdade não é apenas uma ofensa, como dizer que alguém é burro, é calúnia! E quem acusa tem o ônus da prova!

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