Sócrates |
(i) Não há nenhuma definição adequada de “arte”.É claro que por “definição adequada” quer-se dizer o mesmo que “condições necessárias e suficientes”. Portanto, quem assim argumenta supõe que saber se algo é F ou não é F implica estar de posse de uma definição de “F” em termos de condições necessárias e suficientes. E alegada razão para isso é que saber se algo é F ou não é F implica saber o que é F e saber o que é F é estar de posse de uma definição de “F” em termos de condições necessárias e suficientes. Com essa falácia, os anti-socráticos julgam estar colocando em xeque o modo socrático de filosofar e abrindo espaço para entender a arte, ou qualquer coisa representada pelos nossos conceitos fundamentais, como algo relativo.
(ii) Logo, não é possível justificar a afirmação de que algo é ou não é arte.
Todavia, a afirmação “saber o que é F é estar de posse de uma definição de ‘F’ em termos de condições necessárias e suficientes” é justamente uma das teses de Sócrates. E esta tese está longe de ser óbvia. Além disso, o que poderia justificar a afirmação de que uma pessoa não está de posse de uma definição de "F" em termos de condições necessárias e suficientes quando ela apresenta uma definição de "F"? Não é por meio da socrática apresentação de contra exemplos, ou seja, de casos que ou se ajustam à definição, mas não são F, ou de casos que são F, mas não se ajustam à definição? Mas como esses casos poderiam ser reconhecidos como contra-exemplos da definição, se não podemos saber se algo é F ou não é F? Portanto, a justificação de que a definição de "F" apresentada por alguém não é a definição de "F" em termos de condições necessárias e suficientes e, portanto, a justificação da premissa do argumento acima, é incompatível com a sua conclusão. Se não é possível justificar a afirmação de que algo é F ou não é F, então o afirmação de que algo é um contra-exemplo de uma definição de "F" não pode ser justificada.
Mas como podemos saber se algo é F ou não é F se não estamos de posse de uma definição de "F" em termos de condições necessárias e suficientes? A resposta a essa pergunta pode ser obtida por meio de uma reflexão sobre como adquirimos conceitos que não são definíveis ou não são definidos em termos de condições necessárias e suficientes. Nós os adquirimos aprendendo a identificar exemplos paradigmáticos de coisas que são F e que não são F. Exemplos paradigmáticos são aqueles sobre os quais não resta nenhuma dúvida racional sobre se são F ou não são F. Não ensinamos o conceito de verde, por exemplo, exibindo verdes azulados para as crianças, o ensinamos por meio de exemplos paradigmáticos de verde, tal como a cor da grama. O mesmo vale para o conceito de jogo. O mesmo vale para os conceitos vagos, como o conceito de pilha e de calvo. Saber o que é F, em todos esses casos, é saber identificar exemplos paradigmáticos de Fs. Saber o que não é F é saber identificar exemplos paradigmáticos de não-Fs. Mas como alguém sabe identificar tais exemplos? Há no mínimo dois critérios: o grau de uma certa propriedade, no caso de conceitos vagos, e a semelhança, no caso de conceitos de semelhança. Algo é jogo se é semelhante aos exemplos paradigmáticos de jogos. Algo é uma pilha se possui, em grau elevado, as propriedades de exemplos paradigmáticos de pilhas.
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