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sábado, 22 de agosto de 2015

Beneficio moral, benefício instrumental e machismo

Há no mínimo dois sentidos de "benéfico". Em um sentido, moral, "benéfico" é tudo aquilo que promove o bem moral, aquilo que é moralmente o melhor para uma pessoa ou grupo de pessoas. Vou chamar esse de beneficio moral. Noutro sentido, instrumental, "benéfico" é tudo aquilo que facilita que uma pessoa ou grupo de pessoas atinja seus objetivos, realize seus interesses, sejam eles quais forem, bons ou maus. Vou chamar esse de benefício instrumental. 

Dada essas distinção, é falacioso concluir que algo é moralmente benéfico para uma pessoa do fato de ser instrumentalmente benéfico. Uma pessoa pode estar prejudicando a si mesma quando atinge todos os seus objetivos -- quando faz tudo que é instrumentalmente benéfico para ela -- e nenhum desses objetivos coincide com o que é moralmente benéfico para ela. Uma mulher, por exemplo, pode acreditar que o machismo é moralmente benéfico para ela porque ele é instrumentalmente benéfico para ela, isto é, porque ele atinge todos os os seus objetivos. O ativismo feminista então age para tentar fazer essa mulher perceber que, embora o machismo possa ser instrumentalmente benéfico para ela, ele não é moralmente benéfico. Essa é uma tentativa de mudar os objetivos, os interesses dessa mulher, porque justamente eles a estão desviando do que é moralmente benéfico para ela. É claro que nem toda mulher se beneficia instrumentalmente do machismo. Estas são justamente aquelas que são contra o machismo por acreditarem que ele não é moralmente benéfico para as mulheres.

Até este ponto, acho que a maioria das feministas concordaria comigo. A discórdia começaria quando eu enunciasse a seguinte tese: assim como a mulher pode crer erroneamente que o machismo é moralmente benéfico para ela, baseada no fato de ele ser instrumentalmente benéfico para ela, o homem também pode crer erroneamente que o machismo é moralmente benéfico para ele, baseado no fato de ele ser instrumentalmente benéfico para ele. Por que algumas feministas discordariam de mim? Porque elas alegam que não há mulher machista, dado que, segundo elas, nenhuma mulher se beneficia com o machismo. Quando se objeta a isso dizendo que muitas mulheres estão perfeitamente contentes com o machismo, achando que ele as beneficia, a resposta normalmente é algo nessas linhas: "Uma mulher que diz isso não está sendo machista, mas está apenas reproduzindo o machismo, pois de fato o machismo não a beneficia, embora ela pense que sim." Uma resposta como essa, traduzida para a linguagem da distinção que tracei no começo, ficaria assim: "Uma mulher que diz isso não está sendo machista, mas está apenas reproduzindo o machismo, pois de fato o machismo não a beneficia moralmente, embora ela pense que ele a beneficie instrumentalmente." Mas se um homem também pode crer erroneamente que o machismo é moralmente benéfico para ele, baseado no fato de ele ser instrumentalmente benéfico para ele, então, nesse caso, pelo critérios dessas feministas que discordam de mim, ele tampouco estará sendo machista, mas apenas reproduzindo o machismo. Eu discordo dessas feministas no seguinte ponto: ele estará, sim, sendo machista, porque não creio que, para uma pessoa ser machista, seja necessário que o machismo a beneficie moralmente, pela boa razão que o machismo é moralmente maléfico para todos, homens e mulheres! Ser machista é "reproduzir" o machismo, seja baseado na crença errônea de que ele é moralmente benéfico para todos, seja por má fé, baseado no conhecimento de que ele não é moralmente bom para ninguém.

Por fim, quero deixar claro que há uma diferença grande entre o benefício instrumental que o machismo proporciona à mulher machista e ao homem machista. Embora essa diferença seja irrelevante para o ponto que defendo nesse texto, ela é uma diferença importante quando se trata de pensar o machismo e a luta feminista. Essa diferença é justamente um reflexo da desigualdade pregada pelo machismo, que ambos, mulheres e homens machistas, aceitam de bom grado. Lutar contra o machismo é lutar contra essa aceitação, seja de parte dos homens, seja da parte das mulheres.


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