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terça-feira, 7 de janeiro de 2014

Especismo no dos outros é refresco

Alguns argumentam em favor do especismo mais ou menos assim:
O animal humano tem privilégio moral sobre outras espécies de animais porque ele possui autoconsciência e consciência do tempo de vida que ele perderia se morresse. Logo, o animal humano sofre muito mais com a morte que um animal não humano, pela consciência do que tem a perder com a morte. Logo, numa situação em que sua vida está em risco, o animal humano está justificado em usar outras espécies de animais para salvar a sua, como no caso de se usar animais não-humanos em experimentos médico-farmacológicos.
Mas pelo mesmo argumento, há uma hipotética situação em que as cobaias seríamos nós mesmos, animais humanos. Imagine uma espécie de animais extra-terrestres com uma inteligência muito superior à nossa, com uma capacidade de lembrar eventos e coisas e de planejar o futuro em detalhes muito maior que a nossa, que vivam por muito mais tempo que nós (digamos, quinhentos anos em média). Suponha que esses extra-terrestres invadam a Terra e nos escravizem, porque estão com uma doença cuja cura só pode ser descoberta por meio de experimentos com animais humanos.  Os animais humanos sofrem muito nesses experimentos e morrem. Esses animais extra-terrestres estariam justificados em nos escravizar para fazerem esses experimentos? Pelo argumento especista acima, não parece claro que sim? O argumento seria, então, o seguinte:
O animal extra-terrestre tem privilégio moral sobre o animal humano porque ele possui um grau muito maior de autoconsciência e consciência do tempo de vida que ele perderia se morresse. Logo, o animal extra-terrestre sofre muito mais com a morte que um animal humano, pelo grau muito maior de consciência do que tem a perder com a morte, e porque ele tem mais a perder, pois vive muito mais. Logo, numa situação em que sua vida está em risco, o animal extra-terrestre está justificado em usar o animal humano para salvar a sua, como no caso de se usar animais humanos em experimentos médico-farmacológicos.
Mas nossa forte intuição de que esses extra-terrestres não estariam justificados em nos usar em tais experimentos mostra que esse argumento não pode ser aceitável. Especismo no dos outros é refresco! Ou será que nossa intuição está errada e deveríamos nos resignar e aceitar que sejamos cobaias de extra-terrestres?

Deve-se notar que essa refutação pode ser adaptada a quaisquer argumentos em favor do especismo, bastando imaginar uma relação entre animais extra-terrestre e nós que seja análoga à relação entre nós e as espécies de animais que os especistas julgam serem moralmente inferiores.

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Agradeço aos comentários de Gregory Gaboardi e Laiz Fraga a uma primeira versão desse texto.

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