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segunda-feira, 17 de abril de 2017

Aborto e prostituição



Muitas pessoas argumentam a favor da legalização do aborto a partir das seguintes premissas:
O aborto continuará sendo praticado, quer seja legalizado, quer não seja.
Se não for legalizado, mulheres pobres que fazem aborto continuarão sofrendo por causa de abortos baratos mal feitos.
Se for legalizado, o estado poderá fornecer aborto de qualidade de graça via sistema público de saúde.
As mulheres não devem continuar sofrendo por causa de abortos baratos mal feitos.
Portanto, o aborto deve ser legalizado.
Todavia, algumas pessoas que argumentam a favor da legalização do aborto dessa forma, também argumentam a favor da proibição da prostituição, frequentemente com base no fato de que a prostituição explora, marginaliza e é fonte de violência contra a mulher. Somente alguém que perdeu totalmente contato com a realidade negaria que isso frequentemente acontece na prostituição. Todavia, é perfeitamente argumentável que a causa dessa exploração, marginalização e violência contra a mulher não é a prostituição em si, mas justamente o fato de essa profissão não ser legalizada e, por isso, as prostitutas não receberem o amparo do estado no que diz respeito a segurança, saúde e previdência. Além disso, é perfeitamente falso que isso ocorra com todas as prostitutas. Muitas prostitutas têm uma vida relativamente tranquila, com tantos problemas quanto tem a média dos demais trabalhadores. Seja como for, mesmo que a prostituição seja legalizada, a exploração das prostitutas não irá acabar totalmente, pois a exploração, em uma sociedade capitalista, é parte do sistema. Ademais, as prostitutas são marginalizadas principalmente porque boa parte das pessoas acham moralmente errado vender o corpo para sexo, quer as prostitutas sejam saudáveis, bem tratadas e bem remuneradas, quer não sejam. A razão disso, muitos alegam, é que comprar um corpo para sexo é tomar uma pessoa como meio e não como um fim em si mesmo, como diria Kant. A prostituta é tomada como um objeto por aquele que paga pelo seu serviço. Todavia, se o simples pagar por um serviço é tomar a pessoa que o presta como objeto, em qual profissão essa objetificação não acontece? Algumas pessoas acham que ser prostituta é degradante, fere a dignidade da mulher, pois ela está vendendo seu corpo. Todavia, como conciliar isso com a máxima "Meu corpo, minhas regras", frequentemente defendida por mulheres a favor do aborto? Se o corpo é da mulher, ela não deveria ter o direito de decidir se quer ou não vendê-lo? Ademais, modelos fotográficas e de passarela não vendem também seu corpo? O problema é, então, o sexo? O que há de moralmente errado em se fazer sexo por dinheiro?

Poder-se-ia argumentar que as mulheres tornam-se prostitutas por coerção. Isso pode ser verdade em muitos casos, mas certamente não é verdade em todos os casos. Muitas mulheres tornam-se prostitutas por livre e expontânea vontade. Mas algumas pessoas argumentam que mesmo quando uma mulher acredita que está tomando uma decisão livre para ser prostituta, na verdade ela está sendo inadvertidamente coagida pelo sistema machista a tomar essa decisão. Mas, pelo mesmo argumento, quase todas as profissões são imorais, pois, numa sociedade capitalista, quem não detém o poder econômico também está inadvertidamente sendo coagido a escolher a profissão que escolhe. Os capitalistas precisam da existência de uma classe trabalhadora que venda seu trabalho o mais barato possível. Para eles, portanto, é essencial que a maior parte das pessoas escolham vender seu trabalho o mais barato possível. Sendo assim, se a prostituição é imoral pela razão aduzida, a coerção sistêmica, assim também o é todo trabalho oferecido o mais barato possível.

Um fato importante contra a idéia de que a prostituição é algo intrinsecamente machista é que, embora sejam casos esmagadoramente minoritários, há prostituição masculina e prostituição homossexual. Como essas formas de prostituição poderiam ser machista?

Creio que não há nenhum argumento cogente para se mostrar que a prostituição é intrinsecamente imoral. As maiores motivações para se pensar assim são religiosas e estéticas. No fundo, as pessoas que argumentam a favor dessa tese estão apenas tentando racionalizar sua fé e/ou sua visão da prostituição como algo feio.

Pode-se formular um argumento a favor da legalização da prostituição análogo àquele acima a favor da legalização do aborto:

A prostituição continuará sendo praticada, quer seja legalizada, quer não seja.
Se não for legalizada, mulheres prostitutas continuarão sofrendo coerção, exploração, marginalização e violência.
Se for legalizada, o estado poderá fornecer saúde, direitos trabalhistas, previdência e segurança para as prostitutas.
As mulheres não devem continuar sofrendo coerção, exploração, marginalização e violência.
Portanto, a prostituição deve ser legalizada.
Se esse argumento não é cogente, então tampouco é aquele a favor da legalização do aborto. É claro que em ambos os casos, está-se supondo, sem argumento, que nem o aborto nem a prostituição são moralmente errados. Estas suposições podem ser e têm sido questionadas. Creio que ambas são corretas e aqui tentei defender a segunda de algumas críticas.


3 comentários:

  1. Parabéns pelo texto, Alexandre. Vejo muita gente que defende ser esse argumento a favor do aborto independente de assunções muito precisas sobre o status moral do ato; algo como uma posição puramente pragmática e alheia a questões morais. Se entendo bem sua posição, concordamos: não é.

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  2. Um ponto interessante no texto é o parágrafo que apresenta um argumento contra a ideia de ligação intrínseca entre prostituição (feminina) e machismo, visto que há quem defenda que o machismo não atinge somente mulheres.

    Gostei do texto!

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